sexta-feira, 29 de junho de 2007

Rodando

Nova versão de O gráfico em Planeta Literatura. Clique aqui e leia!

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Obituário de Rodrigo Matos

Por Rodrigo Lopez-Balthar


O que é falar da morte? Da morte de alguém próximo? Um obituário. Mas era eu. Nós. Nós somos o mesmo dividindo um corpo, porém diferentes. Um morto. Outro vivo. Não havia escapatória, sua morte foi apenas uma questão de tempo, aliado a alguns fatores pouco importantes como a sua completa falta de criatividade. Não foi fácil ver o cadáver de mim-mesmo caído ao meu lado, mas em algum momento ia acontecer, eu disse a ele, "a hermenêutica mata!", mas o intelectual nem se abalou e continuou gadameriando, heideggeriando e schleiermacheriando como se estas drogas não tivessem o efeito corrosivo, já conhecido por todos os filósofos: interpretose. Ele foi e não há mais lugar para um retorno. Ocupei o resto do apartamento.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

EX ou A Mãe dele disse que ele era bom e todo mundo acreditou (menos eu)

Por Carol Medrado



Bem, Santiago Nazarian, eu não te conheço e é por isso mesmo que eu vou falar mal do seu livro, se você não gostar, manda Thomas vir brigar comigo.
Era uma vez um livro chamado Olívio que começa bem, mas o final não é feliz (não mesmo!). Conta a história de Olívio, um cara que todo dia faz tudo sempre igual e é feliz assim (qual o problema nisso?). Ele tem uma noiva, um emprego que o sustenta, um apartamento, um irmão gay, alguém para lavar suas roupas sujas.... tudo perfeito. Depois de duas broxadas a vida dele começa a perder o rumo. Perde a noiva, falta ao emprego e nesse seu dia de ócio resolve tomar as rédeas de sua vida e ir atrás da noiva. Mas ele já está perdido. Perdido! Não consegue achar o trabalho da noiva e fica vagando pela cidade, vai até a casa do irmão (que nunca havia visitado), vai a um cinema pornô (algo que nunca havia feito) e acaba parando num prostíbulo, experimentando algo que nunca havia provado. No prostíbulo ele conhece um cara, Thomas, e á a partir daí que a história também se perde. Começa a história de um ex-livro bom, passou.... perdeu a mão.... mas não sei se vai deixar marcas. Thomas, você estragou tudo! Enfim, já tatuou, o livro já ta aí, não dá mais para apagar. Continuando a história... Olívio vai para casa de Thomas com duas prostitutas, na manhã seguinte ele descobre que suas roupas estão molhadas porque a prostituta que estava com ele se matou de overdose usando suas roupas que acabaram ficando manchadas de sangue (se alguém entendeu essa, me explica, por favor!). E Olívio continua se perdendo: não tem mais roupa seca, não tem mais chave de casa e quase já não há mais Olívio, há um ex-Olívio. Ele passa a experimentar um outro lado de si mesmo, um outro lado da vida e apesar da sua angústia inicial, ele acaba se rendendo, aceitando vagar pela cidade ao invés de chamar um chaveiro para a abrir a sua porta. Na tentativa de entender melhor a loucura em que se meteu, ele volta a fazer o percurso por onde passou: volta ao cinema pornô e não entende nada; volta à casa do irmão e não entende nada; volta ao prostíbulo e não entende nada; volta à casa de Thomas e não entende nada. Volta tudo.... e nada... As pessoas são e não são, ele já não sabe onde está.... passou, perdeu a mão.... ex.... Essas voltas também estragam tudo, se eu fosse Olívio (ou Thomas) não daria tantas voltas assim, todo mundo acaba ficando tonto no final. Nessas voltas ele descobre que o irmão conhece Thomas que conhece uma vizinha de Olívio, que indicou a lavadeira de Olívio a Thomas. E tudo continua girando...Voltando ao prostíbulo o autor se perde em rimas injustificáveis, esse capítulo é chatíssimo, quase pulei ele. Quando volta à casa de Thomas é pior ainda. Thomas começa a passar um sermão ridículo em Olívio e o capítulo todo parece uma tentativa de Nazarian de se proteger das críticas, já que Thomas é escritor e começa se defender das ofensas de Olívio a sua literatura. Thomas é um personagem extremamente forçado, não funciona, não seria egolatria demais? Tudo isso para no final Olívio descer do carrossel e voltar com noiva, voltar para o apartamento, voltar para o emprego e para suas roupas limpas. Enfim, já tatuou, não dá mais para apagar. Ex.



NAZARIAN, Santiago. Olívio. São Paulo: Talento, 2003

terça-feira, 26 de junho de 2007

Para aqueles que não fazem a palavra rodar: Máquina de Pinball

Por Carol Medrado



Para mim, o grande erro que grande parte dos jovens escritores cometem é serem pretensiosos demais, acham que são o máximo, que seus textos vão mudar o mundo ou que serão (ou são) o mais novo fenômeno literário. Confesso que quando peguei o livro de Clarah Averbuck pra ler, achei que ela era mais um desses jovenzinhos pedantes e que o livro seria um culto ao seu próprio ego. Quebrei a cara. Essa garota é inteligente e corajosa e trata em seu livro de questões que atormentam todos os jovens como a falta de dinheiro, desemprego e os problemas amorosos. Se não é uma autobiografia poderia ser uma biografia da grande maioria dos jovens. Mas cabe aqui um aviso: não é um livro para quem sinta ânsia ao pensar em engolir esperma ou para quem ruboriza ao ler a palavra cú. Eu não vejo mal nenhum nisso, acho que todas as palavras cabem na boca e no papel e acredito que a literatura é uma realidade, onde as pessoas cagam, mijam, ficam bêbadas, passam um vexame e engolem porra docinha. Quem se assusta com as nuances da realidade passe longe daqui, vá ler José de Alencar. Eu, que não sou esquizofrênica e tenho os dois pés na realidade, digo: Salve Bukowski e salve os jovens que ainda correm o risco de pensar!



Resenha de AVERBUCK, Clarah. Máquina de Pinball. São Paulo: Conrad, 2002.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Timoleon Vieta, um outro cão


Por Carol Medrado



Dan Rhodes tem sido muito elogiado na Inglaterra, destacando-se como um dos mais novos talentos da literatura britânica o que, na minha opinião, não é à toa. Li o livro Timoleon Vieta ... em três dias e confesso que foi duro me despedir do personagem de olhos dóceis.Timoleon Vieta foi meu amigo por três dias. Timoleon Vieta é um cão vira-lata como todos os outros cães vira-latas, exceto pelos seus olhos tocantes, o que acaba fazendo com que penetre na vida das pessoas, mesmo que por um curto espaço de tempo e, no entanto, deixa marcas. O cãozinho pertence a Cockroft, um compositor britânico fracassado cuja maior diversão é receber “amigos desconhecidos” em sua casa. É recebendo um desses “amigos”, o Bósnio, que ele se vê num impasse entre o cão e a visita: os dois se odeiam e seu amigo impõe uma escolha. Cockroft, angustiado pela solidão iminente, escolhe o Bósnio e resolve abandonar seu companheiro de tantos anos em frente a Torre de Pisa. A partir daí o livro se assemelha com tantas histórias da sessão da tarde de cachorrinhos perdidos que voltam para casa, mas o livro não deve ser subestimado por isso. Nessa jornada de Timoleon Vieta para casa, acabamos adentrando na vida de inúmeros personagens que têm suas histórias descritas no livro como pequenos contos. O livro em alguns momentos exagera no sentimentalismo, mas acredito que essa seja a intenção do autor, como é explicitado no título. O interessante é perceber o impacto que a existência desse cãozinho acaba tendo na vida dos personagens e o afeto que acaba nutrindo em todos eles. Afinal ele é só um cão (como se isso fosse pouco) e não pode fazer nada além de balançar seu rabo e olhá-los como seus olhos maravilhosos e isso é o suficiente para aplacar a dor de alguns personagens. Isso deixa evidente que muito mais do que a história de um cachorro que tenta voltar para casa, o livro é a história do amor em seus múltiplos desdobramentos como o abandono, a solidão, a lealdade e a perda. É impossível até mesmo para o leitor não ser tocado pelo personagem. Acho que vou passar um bom tempo olhando os vira-latas de rua de maneira diferente: os olhos de Timoleon Vieta também deixaram marcas na minha vida.




Resenha de RODHES, Dan. Timoleon Vieta volta para casa: uma viagem sentimental, tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

terça-feira, 19 de junho de 2007

Liza Parkinson


Gente! Que luxo, Liza Minelli no Brasil. Recado de diva é recado de diva. Ela descobriu o segredo da vida, nunca parar, sempre se mexer. Deveriam criar pílulas de Parkinson, todo mundo ficaria feliz.
B. de Quatre
Ps. Nosso editor anda muito chato, isto aqui é para ser um espaço crítico, não uma terapia de mestrando angustiado, nem sei como as pessoas ainda perdem seu tempo para lê-lo.

sábado, 16 de junho de 2007

Minha História de Leitura

Como não tenho mais tempo para a literatura e me prostituo lá no mestrado, vejam que não me corrompo com facilidade e aproveito institucionalmente para viver escrevendo, já que nem tempo pra ler eu tenho. Acreditem, isto fará parte de um capítulo de minha dissertação. Faltam as notas, mas como vocês não são uma banca examinadora, que se danem!


Rodrigo Matos




Escrever este texto passa necessariamente por contar como se iniciou a minha história com os livros, pois não se trata apenas de um exercício dissertativo para cumprimento de créditos do mestrado, mas de uma atividade que se confunde com a minha existência e, hoje em dia, é também, alvo de minhas investigações monográficas.
Fui alfabetizado muito cedo, aos três anos já sabia ler e aos quatro escrever. O aprendizado precoce das letras se deu por necessidade, já que não queria mais apanhar. Uma tia era responsável pelo ensino das minhas primeiras letras, e fui sua cobaia em experimentos pouco ortodoxos, no que se trata de pratica de ensino-aprendizagem da lecto-escrita. Ela utilizava o método “colher-de-pau”, que consistia em atividades diárias assistidas por uma colher-de-pau, que ao menor vacilo era prontamente arremessada contra as minhas mãos. Eu tinha que saber as respostas para as perguntas, pois para minha tia o núcleo central de seu método revolucionário era constituído pela máxima “é inconcebível que uma pessoa que saiba falar não saber ler e escrever”, atividades naturalmente complementares aos olhos dela. Dessa maneira aprendi rapidamente a ler e aos quatro anos lia perfeitamente (sem titubear) qualquer coisa que passasse pelos meus olhos.
Num dia de visita materna (eu era criado pela minha avó, sob supervisão atenta de minha tia estudante de magistério) algo de diferente assomava das sacolas de minha mãe, que costumeiramente eram reviradas por mim assim que ela chegava. Era um livro de capa azul, com bordas picotadas de um autor que nunca mais me esqueci o nome (me esforçava com certo orgulho para pronunciá-lo), Hans Christian Andersen, que contava a história de um imperador encantado pela beleza do canto de um rouxinol .
Este primeiro contato ficou registrado no arquivo de minhas memórias como o primeiro encontro com um livro, mas principalmente se refere à posse, era o meu primeiro livro. Carreguei-o por muito tempo até perdê-lo deliberadamente num daqueles momentos de conflito adolescente.
Ainda em Jacobina (era lá a casa da minha avó) desenvolvi o hábito de ler revistinhas em quadrinhos: Luluzinha, Bolinha, Mônica e Cia foram os primeiros amigos que encontrei em uma banquinha de revista - nas cidades do interior da Bahia (fato que pode se estender para inúmeras regiões do Brasil) as bancas de revistas são o único contado com a produção editorial do país, em algumas localidades são os únicos elos com o mundo escrito.
Depois do hábito adquirido foi apenas uma questão de tempo aliado a um certo encantamento em relação à imagem do intelectual para que a leitura assumisse para mim o papel de atividade essencial e os livros objeto de consumo constante. No dia em que parti para a capital do estado trazia Andersen e Luluzinha comigo, como germes da voracidade leitora que ainda estava por vir.
Ao acordar no apartamento de minha mãe em Salvador fui tomado de assalto pela sensualidade da TV, pelos apelos do consumo da classe média e a leitura foi esmagada pela Tia Arilma, Lojas Sandiz, Balão Mágico, Wells Burger, Lucinha Lins, “Eu sou negão, meu coração é a Liberdade” e os finais de semana em Patamares. Mas como uma provocação do destino, algo de inesperado me aguardava: a minha primeira leitura adulta, que me jogou de vez no universo que se organiza em ordem alfabética. Helen G. White me provocou numa tarde pouco produtiva do verão de 1987, quando o encontrei dentro de um armário no gabinete do apartamento. Ironicamente foi a leitura de A vida de Jesus Cristo, escrita por uma autora fundamentalista cristã, que me conduziu para a condição de leitor, pois que não é dado ao leitor de quadrinhos, principalmente o infantil, este status. Foi assim que percebeu uma amiga de minha mãe, que já tinha me visto em vários momentos lendo gibis e outras publicações menos nobres, assustou-se dizendo “Ele está lendo um livro!”. Durante muito tempo este foi o único livro que li.
Foi para não ficar fora de um grupo de amigos voltei a ler. Em 1989 um colega me apresentou um outro universo de leitura: as revistinhas de super-heróis. Até então tinha olhado tal material com desdém, nunca tinha me dado ao trabalho de folheá-las, mas ao encontrar um extenso grupo de garotos de minha mesma faixa etária leitores dos quadrinhos da DC e Marvel Comics . Fui mordido pelo “bicho” da leitura e passei mensalmente a devorar todas as publicações do gênero. Esta foi a minha primeira experiência de leitura voraz, pois não consumia apenas as publicações do mês, comprava exemplares de anos passados, o que acabou me levando a ter contato com outro ambiente que passou a fazer parte da minha vida, os sebos.
Foi em busca de revistas da Força Psi que entrei pela primeira vez num sebo, o Brandão. Foi uma experiência inesquecível! As prateleiras pareciam que iam me engolir, tão altas que eram, mas o mais importante era a descoberta de que poderia ler muito mais pagando muito menos. Borges imaginava que o paraíso seria como uma biblioteca (Manguel, 2006, p.156), mas para mim que não estava – nem estou – preocupado com o paraíso, o sebo se converteu em universo particular, local onde poderia encontrar toda uma constelação de heróis, bastando para isso desembolsar alguns poucos cruzeiros. Fiz dele o meu trunfo secreto, aumentava rapidamente minha coleção e minha cultura gibizesca, para desespero dos amigos. Quando sabia da existência de mais um guardava o segredo e corria para o sebo como Carlos Drummond de Andrade, para quem o sebo é a verdadeira democracia, para não dizer: uma igreja de todos os santos, inclusive os demônios, confraternizados e humildes (2004, p.19). Foi também apenas uma questão de tempo para converter este espaço em meu ambiente predileto para garimpar livros, em substituição aos quadrinhos.
Por volta dos dez anos comecei a desenvolver um certo encantamento pela imagem do intelectual, para ser mais preciso, fui seduzido pela imagem de um homem/mulher que dialoga com as mais variadas referências, fazendo-as parte da constituição de si mesmo. Os usos inteligentes e sagazes dos objetos de leitura por parte de algumas figuras iluminadas, como Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony, Jorge Amado e Glauber Rocha me fizeram admirar qualquer um que aparecesse na televisão ostentando uma estante às costas, bem como, qualquer um que se portasse dignamente na condução de um discurso; isso me provocava inveja, eu queria ser como aqueles homens, ser reconhecido pela “posse” do conhecimento.
O plano Collor me fez sentir a dureza da pobreza, mal que nos acometeu – a mim e a minha mãe – repentinamente, sem nenhum aviso, exceto, obviamente, pelo pronunciamento da excelentíssima ministra da economia Zélia Cardoso de Melo. Tive de dar adeus as revistinhas, ao apartamento em bairro de classe média alta, aos hambúrgueres da McDonalds, às boas roupas caras, enfim, ao dinheiro. Quando achava que nada podia ser pior fui parar em um bairro pobre, cuja biblioteca mais perto estava a uns quatorze quilômetros de distância.
Minhas revistinhas cumpriram o destino que aguarda em algum momento o acervo de um leitor pobre: converteu-se em dinheiro em uma banca-sebo do centro da cidade. A falta de dinheiro, de certa maneira, levou-me até os livros e ao contato com leitores, indivíduos curiosos, que sempre estão à procura de outros de sua espécie.
Sem dinheiro para comprar revistas precisava encontrar outro espaço onde pudesse suprir a minha necessidade de ler. A biblioteca da escola foi um dos primeiros locais onde passei a exercitar o meu hábito de leitura e, principalmente, a arte de roubar livros em bibliotecas e sebos, que abasteceu o inicio de minha primeira biblioteca. Além disso, a leitura se tornou um hábito de fato e, portanto, nem se eu fosse o Arsèné Lupin conseguiria “adquirir” todos os livros que a minha sede demandava, foi nesse momento que encontrei uma galera estranha, muito estranha.
De inicio todos os jovens se parecem, mas basta uma olhada atenta para perceber que para o grupo social denominado “jovem” existe uma variação conceitual imensa. Dentro dessa variação aos 12 anos eu era jovem, o que significava dizer: cabeludo, gostava de rock dos anos sessenta e setenta, não falava com ninguém que ouvisse pagode, musica sertaneja, axé music ou qualquer outro gênero musical mais popular, somente usava roupas escuras, de preferência pretas, rejeitava totalmente as convenções sociais, principalmente a família, detestava a escola e lia Kafka, Roberto Freire e Herman Hesse. O mais estranho é que não era o único. No bairro em que fui morar – de hábitos completamente avessos aos meus – encontrei rapidamente um grupo de jovens como eu, que gostavam de Janis Joplin e devoravam livros aos montes (até hoje não sei se era verdade ou mentira de meus amigos, mas foi a rapidez com que liam que me fizeram desenvolver a capacidade de ler rapidamente um livro, de quarenta a cinqüenta páginas por hora, quando sou arrebatado pela leitura).
Estes amigos me fizeram reencontrar um ambiente cultural muito importante para a minha infância (passei muitos fins de tarde com a minha mãe no café, que hoje leva a alcunha de Goethe), o Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA). Lá encontrei o bibliotecário que milita em prol do não contato com os livros da instituição, cujo sonho inconfessável – assim pensam vários freqüentadores da biblioteca – é a transformação dos livros da biblioteca em acervo pessoal. Foi nessa biblioteca, apesar da cara feia do alemão de Feira de Santana, que vivi dos 13 aos 23 anos.
Fiz deste espaço um local de visita periódica, todas as minhas tarde após o colégio eram passadas no ICBA, à espera de mais um número da Deutschland, Humboldt ou Kulturchronik ; assistindo a vídeos sobre o holocausto; filmes de Win Wenders ou Herzog; ouvindo Wagner ou Jazz teutônico; mas principalmente discutindo com o grupo de amigos que agora era mais extenso, pois agregavam todos aqueles que não tocavam tambor, não achavam a menor graça balançar a bunda em público nem achavam o ensaio do Olodum a melhor representação de sua identidade, ou seja, os excluídos da “baianidade”.
Foi nesse momento que teve inicio a minha segunda febre leitora, que me contagiou ao conversar com um amigo sobre anarquismo. Passei então a procurar por livros relacionados à temática, autores que soavam aos livreiros como um xingamento. Bakunin, Kropotkin, Malatesta, Stierne, Goldman, Tolstoi, Makno, Oiticica, Cuberos entre outros eram carregados por mim onde quer que estivesse e começaram a se avolumar em cima de minha cômoda, dividindo espaço com os livros que já tinha. Foi interessante perceber o encantamento de um amigo revolucionário de cidade do interior ao entrar em meu quarto e perceber que tinha umas pilhas consideráveis de livros, dignas de serem consideradas objeto de expropriação; tive de lhe explicar que não era burguês e que aquele material em grande parte tinha sido fruto de ação direta expropriadora dos centros de cultura burguesa. Safei-me bem dessa.
Lendo livros anarquistas e afins declarei-me emancipado aos quinze anos e me mandei para São Paulo disposto a nunca mais voltar. Seis meses depois estava em Salvador, abandonei a escola, local onde nunca fui compreendido e me mandei para Aracaju disposto a encontrar um amigo de João Pessoa que tinha decidido ir para o Rio de Janeiro e depois para a Europa. Pensei em acompanhá-lo, mas a única coisa que consegui foi perder a namorada para ele, o que hoje vejo que como um alívio me pareceu o fim do mundo naquele momento e acabei encontrando no desespero a minha nova febre leitora: a filosofia.
A releitura de Nietzsche (já o havia lido antes, mas não o tinha compreendido, o que o sofrimento não faz!) me fez suportar o tormento amoroso e me conduziu literalmente para o encontro de novos amigos. Schopenhauer, Cioran, Sartre, Merleau-Ponty e Platão me fizeram esquecer todos os amores perdidos e as crenças ideológicas que carregava. Descobri que a vida era um tormento, que o suicídio era uma opção para os fracos e suportar a dor de acordar diariamente era uma virtude dos fortes. Tornei-me pessimista e cínico. Passei mais dois anos lendo tudo que pude encontrar sob a catalogação de filosofia, desprezando todo o resto e todos, principalmente os acadêmicos, que aos meus olhos pareciam baratas incultas alucinadas com Detefonä. Troquei todos os meus livros anarquistas e de literatura por obras filosóficas, foi assim que perdi a minha segunda biblioteca.
Aos 17 anos resolvi voltar para a escola para ter uma titulação que me permitisse trabalhar em algo minimamente digno. Arrumei emprego e comecei a juntar dinheiro para viajar, fazer “mochilão” pela Europa e se possível nunca mais voltar para o Brasil. Um dia ao voltar do trabalho entrei no sebo Graúna e revirando a pilha de 1R$ encontrei o Sidarta de Herman Hesse; fui mordido por uma quarta febre de leitura: a literatura.
Este lugar não me era novo, mas nunca tinha sido alvo prioritário de meus investimentos em leitura. Passou desde então a receber prioridade nas minhas aquisições. Sidarta me mostrou que a literatura, como a leitura panfletária anarquista e filosófica, era mais uma maneira de ver o mundo. Mergulhei fundo na leitura literária sem dar brechas a esquecimentos, tentava me lembrar de todos os autores de romances, contos, novelas e poesias que tinha encontrado até então para formar um repertório a ser (re)encontrado e me pus a garimpar diariamente o Graúna em busca de tudo e que conhecia, mas, principalmente, buscava os autores que não conhecia. Houve uma diferença desta febre para as outras, já que esta não foi uma contaminação substitutiva, muito pelo contrário, fez-me mergulhar mais fundo ainda na filosofia e perceber como em momentos distintos e em lugares distantes a literatura e a filosofia dialogam sempre .
Passei a ser freqüentador assíduo dos sebos e livrarias da cidade. Retornei ao Brandão, desta vez já na condição de leitor literário; conheci os sebos de Henrique Wagner, sempre itinerantes; fazia point na Civilização Brasileira da Av. Sete de Setembro, grande loja de saldão da rede de livrarias; vi o Graúna mudar três vezes de endereço; inaugurei alguns e fechei as portas de muitos. A leitura tomou para mim ares de militância, porém sem o proselitismo tão comum daqueles que acreditam terem encontrado a verdade. A literatura me ensinou que isto não existe. Lia tão vorazmente que cheguei a ler 100 livros em três meses e em poucos anos numa contabilidade pouco ortodoxa já tinha ultrapassado com uma folga imensa o milhar.
Depois de alguns anos juntando dinheiro não consegui viajar pelo mundo afora, por causa das constantes desvalorizações do dólar em 1999 e aos 20 anos decidi que investiria o meu dinheiro numa coisa até então execrada por mim. Decidi que faria um curso de graduação em uma universidade. Qual? Isto não importava muito desde que em ciências humanas e em uma universidade pública. As viagens ficariam por conta das leituras.
Fiz vestibular para história duas vezes e perdi. Na terceira vez resolvi fazer em várias instituições e para outros cursos. Fui aprovado em história, pedagogia, psicologia e literatura hispânica na Espanha. Escolhi pedagogia, porque era à noite e não teria que me mudar de cidade nem de continente.
Antes de ir para o meu primeiro dia de aula um amigo me advertiu de uma prática muito comum na academia, a perseguição; fui recomendado a não ser brilhante, resumindo, ele me pediu que não demonstrasse a minha cultura sob pena de ser violentamente atacado, principalmente pelos professores. Não dei tanta importância a esta advertência, mas me coloquei em alerta. Não demorou muito para que experimentasse a hostilidade, primeiro de um grupo de colegas, seguido pelo ódio mortal que despertei em alguns professores, que não entendiam o fato de que só estava querendo ajudar, preferindo interpretar minhas intervenções como tentativas de desestabiliza-los perante a classe.
Minhas leituras neste período foram extensas; aproveitei para mergulhar fundo na epistemologia e mais ainda na literatura, mas não me furtava a nenhuma leitura, exceto àquelas indicadas pelos professores, que em sua grande maioria não passavam de textos secundários ou livros de resumos de idéias dos outros, cujo maior mérito – resguardando algumas exceções – está nas referências que estes apresentam ao fim do livro. Perscrutava a biblioteca central da UNEB e as livrarias em busca de Deleuze, Guattari, Foucault, Derrida, Bachelard, Baudrillard e muitos outros que os professores não indicam aos seus alunos por receio destes tomarem precocemente as suas vagas no Olimpo da universidade, assim creio eu. Foi na faculdade que conheci pela primeira vez a mesquinhez intelectual.
Mas como em toda regra há exceções, encontrei lá também gente disposta a dialogar e pronta para ouvir, tratando com seriedade as suas inquietações. Foi um desses contatos que me levou para dentro do meu objeto de estudo dissertativo, o RODAPALAVRA .
Como já estava batizado pelo mundo acadêmico tratei de não expor mais os meus conhecimentos para não bater de frente com nenhum professor, cuja auto-estima não estivesse no melhor das formas. Ficava calado até ser solicitado, sendo chamado não me restava outra opção, pois não sabia ser medíocre. Numa certa manhã fui interpelado por uma professora com quem cursava matéria optativa em turno oposto ao meu para cumprir logo créditos futuros, que me perguntava por que não fazia Letras Vernáculas ao invés de Pedagogia, de pronto respondi que não fazia tal curso, pois não gostaria de estudar a literatura de uma maneira engessada em categorizações esdrúxulas, do tipo que se encontra na historiografia literária. Despedimos-nos, acabei desistindo de sua matéria por conta de trabalho, até que num encontro futuro fui convidado por ela para ingressar em um grupo que promoveria sessões de leitura e contações de histórias para crianças de um hospital. Topei na hora.
Esta atividade acabou sendo a minha válvula de escape em um ambiente totalmente hostil a minha condição de leitor: o curso de pedagogia. Fiz desta atividade de extensão a minha verdadeira graduação. Para terminar o curso fui obrigado mais uma vez a me desfazer de minha biblioteca - por não contar mais com a poupança do “mochilão” frustrado, que me sustentou nos primeiros anos de faculdade, nem ter um trabalho que me rendesse um soldo digno – para conseguir dinheiro que possibilitasse a minha freqüência nos últimos semestres do curso e a compra dos livros para tessitura de minha monografia. Terminei a graduação, comecei uma especialização infrutífera, fui cuidar de minha vida e ler as coisas que tinha deixado de lado nos anos em que cursava a faculdade, até que soube das futuras inscrições para um curso de Mestrado em Estudo de Linguagens e pensei se não seria a hora de voltar meus estudos para algo que realmente gostasse e tivesse uma relação intrínseca com o meu percurso intelectual? Percebi a oportunidade e abri os livros.
Transformei o grupo que participo em objeto de investigação, mas, mais do que isso fiz de com que a minha experiência com a leitura finalmente encontrasse leitores atentos, encontrei interlocutores dentro universidade, experiência nova para mim. Este trabalho, que poderia ter um caráter frio e impessoal, tratando a leitura apenas como um dado, converteu-se em algo que dialoga intencionalmente com os sentimentos e as emoções, pois ele tem muito daquilo que sou, como você pode ler.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Big Mouth Strikes Again

“Os sinos dobram dentro de mim” daria um bom nome para um conto, um conto daqueles que ficamos falando sobre nós mesmos em tom despudorado achando que ninguém lerá. Mas ele também poderia se chamar Big Mouth Strikes Again, só para imitar os contistas contemporâneos - e "fazer alusão à cultura pop", é desta maneira que os intelectuais chamam tais construções - mas que no fundo servem apenas para fornecer mais entradas através do Google. O melhor seria chamá-lo de “Vídeo anal da Paris Hilton na Cadeia” algo muito melhor que a educação sexual de Serafim Ponte Grande, renderia inúmeros acessos, Averbuck que o diga.

A – e – i – o – u
Ba –Be – Bi – Bo – Bu
Ca – Ce – Ci – Co – Cu

domingo, 10 de junho de 2007

Identifique-se

Estou cansado deles, os escravocratas acadêmicos e suas normas-ABNT-de-enfiar-no-cu. A única coisa que sinto é um enorme apreço pela tecla delete, nunca a utilizei tanto como nestes dias de mestrando. Acho que deve existir alguma coisa menos detestável para preencher dois anos de uma vida, pois estou sempre com fome, fome de ler o que não querem que eu leia. Sentado-com-a-bunda-no-computador penso no que um Dr. (que após cinco anos de doutorado na França voltou com sotaque e tudo, só para parecer mais pernóstico) disse a um amigo meu: “Existem pessoas que foram talhadas para a vida acadêmica e outras não!”, concordo e assino.

Aproximações sobre “ser talhado” para a academia:

1. Não ser brilhante
2. Ser limitado intelectualmente
3. Não leia!
4. Ser oligofrênico
5. Ser emocionalmente instável
6. Usar drogas discretamente
7. Comprar uma Bata Africana (a depender do programa de Pós-Graduação)
8. Terminar todos os relacionamentos amorosos
9. Masturbar-se
10. Achar que Bourdieu é o máximo
11. Não entender Bourdieu
12. Achar divertido ouvir a mesma coisa 200 vezes
13. Ser surdo
14. Achar charmoso o uso de óculos de grau, pois ajuda a enquadrar o mundo.
15. Sentir vergonha de fazer comentários sobre o Big Brother, mas vê-lo escondido.
16. Crer que o seu trabalho mudará os rumos da humanidade.
17. Ser brocha
18. Comprar vaselina ou KY
19. Ser covarde
20. Ser capaz de em curto espaço de tempo deixar de ser você e tornar-se outro muito, muito pior.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Últimas inscrições

Últimas inscrições para o Congresso de Surubas do Brasil (CONSUB), que acontece todos os anos na Unicamp, em paralelo ao Congresso de Leitura do Brasil (COLE). Este ano o CONSUB está concorridíssimo e poucas vagas ainda restam nos hotéis de Campinas. Fala-se muito da esperada conferência de Jorge Larrosa intitulada “A experiência de passar-a-vara” e da palestra de encerramento, que será proferida por Ferreira Gullar, cujo titulo é “A poesia como única experiência sexual possível na terceira idade”.
Como todos já sabem, o forte do evento é a suruba promovida pela delegação da Bahia, que desenvolverá este ano uma temática muito importante para a juventude paulista: “Seu pai é um capoeirista?”
Infelizmente, o nosso editor não poderá proferir sua já aclamada comunicação “Eu também sou africano!”, por problemas venéreos.
Aguardem mais novidades em breve.
Por B. de Quatre

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Em Brancas Páginas

Rodrigo Matos

Para C.

Você é o meu livro, dormindo brancas páginas ao meu lado. Cada mancha uma letra, que soletro aos poucos com a língua. Nas dobraduras minhas marcas de leitura. Na lombada imprimo com força os meus dedos e abro-te, forço passagem por entre teus limites, já nem tão brancos. Leio-te.

terça-feira, 5 de junho de 2007

LATTES É ORKUT DE ACADÊMICO

Rodrigo Matos



A academia produz seus monstros. Outro dia, depois de uma conversa com um bichinho de estimação, descobri outra monstruosidade acadêmica: LATTES É O ORKUT DA ACADEMIA. Lá você pode descobrir os eventos que fulano foi, o que ele tem publicado, se ele é chato, se o tema que estuda é chato, o local de trabalho, se ele tem amantes (comparação de curriculos), se ele é feio (não coloca foto), se é rico ou influente (frequenta eventos no exterior todo ano), se trepa muito (número de orientandas jovens), se tem problemas com o ego ou megalomania( após o quinto pós-doutoramento), se é corrupto (recebe sempre ajuda institucional, até para ir à Feira de Santana), se é blasè ( fez doutorado em Paris CMXXXVI - quase na alemanha, mas informa, em letras garrafais: SORBONNE), se é gay (vai para congressos em Ibiza no verão), se tem problemas com o campo de atuação (Formou-se em Engenharia Civil, mas informa que seu principal campo de atuação é Teologia) e até se é analfabeto ( o que não é raro). Tomem cuidado!

domingo, 3 de junho de 2007

O CORVO de Edgard Allan Poe (em cordel)

Um aluno me perguntou outro dia se já tinha lido O Corvo, repondi-lhe que não e ganhei de presente esta tradução em estilo cordelístico, mas para mim me pareceu um projeto: ler os clássico de outra maneira, reescrevê-los ao nosso modo, sem respeito medroso.


1
À meia-noite, uma vez,
Que velhos livros eu lia,
Cuidei que talvez ouvia
Bater à porta, talvez.
Era uma leve batida,
Como que a medo contida,
E então pensei: “A horas tais,
Há de ser uma visita,
Uma tardia visita
Deve ser, e nada mais.”

2
Ai, bem quisera esquecer,
E não lembrar, como lembro:
Era no mês de dezembro,
Brasa em cinza a se fazer.
Nos livros que eu estudava
Consolo à dor não achava,
Ai, que em vão eram meus ais,
Chamando, em vão, por Lenora
— Que aos anjos ouve Lenora,
Porém a mim — nunca mais. . .

3
E eu vi então que tremeu,
Dobra por dobra, a cortina;
De uma aflição repentina
Minha alma toda se encheu.
E, o corpo a suster a custo,
Tentei reprimir o susto,
Pensando assim: “A horas tais,
Há de ser uma visita,
Retardatária visita
Deve ser, e nada mais.”

4
“Perdão, disse eu, que a dormir
E não a ler estivera,
Peço perdão pela espera,
Que já vos vou acudir,
Nobre senhor, gentil dama,
Seja quem for que me chama
Tão de manso e em horas tais.”
E à pressa a porta escancaro,
Na treva o olhar escancaro,
Vejo a treva — e nada mais.

5
Lá fora, o fundo negror
Da noite, e as sombras da noite;
Do vento o açoite, e o açoite
Do frio, e nenhum rumor. . .
Mas e essa voz que me embala
O peito, e ao peito me fala?
— Talvez que em vez de meus ais
Tivesse eu dito: “Lenora?”
Dizendo o eco: “Lenora!”
— Foi só isso, e nada mais. . .

6
E mal a porta fechei,
Minha alma em ânsias ardendo,
Eis que à janela, batendo,
Algo, de novo, escutei.
Disse a mim mesmo: “Não temas,
Livra-te dessas algemas
Que te atam a anseios tais,
Livra-te desse mistério
— Que a causa desse mistério
É o vento, e só, nada mais.”

7
De um pulo à janela vou,
De um golpe eu abro a janela,
E eis que de pronto por ela
Um corvo no quarto entrou,
Sem notar minha presença,
E depressa, e sem licença,
E sem maneiras formais,
No meu portal, à vontade,
Pousou, e então, à vontade,
Lá ficou — e nada mais.

8
Ao vê-lo assim eu sorri,
Livre de medo e de estorvo,
E assim falei para o corvo,
Quando refeito me vi:
“Ave sem crista e sem plumas,
Que em tal altura te aprumas,
Donde vens? Aonde vais?
Como será o teu nome,
Se por acaso tens nome?”
E a ave disse: “Nunca mais.”

9
Ouvir a uma ave falar:
Existe maior surpresa?
Minha alma de novo é presa
De um horror peculiar.
Quem terá, no mundo, a isto,
Que aqui vi, acaso visto?
“Ninguém, eu disse, jamais
Recebeu tal visitante,
Nem ouviu de um visitante
Um nome tal: ‘Nunca Mais’. . .”

10
Muda e parada, porém,
A ave quedou, sem resposta,
Como quem ouve e não gosta
De assim lhe falar alguém.
“Mas ah! (disse eu) já me cansa
Perder amor e esperança,
Perder amigos leais!
Tu também te vais embora,
Em breve tu vais embora. . .”
E a ave disse: “Nunca mais.”

11
Dita assim, de supetão,
Resposta tão adequada,
Supus que essa ave ensinada
Foi por antigo patrão.
Má sorte teve o seu dono:
A ave o deixou no abandono,
Depois que palavras tais
Ela aprendeu, certamente,
E hoje só diz, certamente,
Esse refrão: “Nunca mais.”

12
E nessa hora me dá
Certo langor e cansaço,
E eu me recosto no braço
De meu antigo sofá.
Fico defronte dessa ave
De ar sisudo, sério, grave,
De aspecto e porte ancestrais,
Tentando achar um sentido,
Pois há de haver um sentido,
Nesse refrão: “Nunca mais.”

13
A ave de negro capuz
Tem olhos da cor de fogo,
Que brilham em meio ao jogo
De sombras do quebra-luz,
E eu, ofuscado, me deito
No sofá, de encosto feito
Por certas mãos divinais
(Ah! que essas mãos de veludo
Não tocarão no veludo
Deste sofá — nunca mais!)

14
Nesse momento subiu,
No ar pesado do quarto,
Um cheiro de incenso, farto,
E o som de passos se ouviu.
“Ó desgraçado! — eu gritando
Falei — dos anjos o bando
Trouxe-te as bênçãos finais!
— A paz, enfim! O repouso! —
Terei enfim meu repouso. . .”
Mas a ave diz: “Nunca mais.”

15
“Profeta! Núncio do mal!
— Eu grito — Ó escuro profeta!
De que doutrina secreta
És bruxo ou mago, afinal?
Fala a verdade, eu te imploro,
Vê que de bruços eu choro!
— Dá-me os ocultos sinais
Que hão de trazer-me Lenora!
Quando há de voltar Lenora?”
E o corvo diz: “Nunca mais.”

16
“Profeta! Ó preto satã!
— Ave ou demônio de pena! —
Deixa-me de alma serena,
Ó tu que vês o amanhã!
Quero saber, negro monge,
Quando verei, perto ou longe,
Nas mansões celestiais,
Vestida de anjo ou de santa,
Essa mulher — essa santa!”
E o corvo diz: “Nunca mais.”

17
“Ó infeliz, infeliz,
Bicho ou demônio esquisito!
Volta ao teu mundo maldito,
Corvo de obscuro verniz!
Cravaste a garra em meu peito,
Ave de bico malfeito!
Vai-te! Não tornes jamais!
Deixa-me só nesta casa,
Deixa-me em paz nesta casa!”
E o corvo diz: “Nunca mais!”

18
E agora, pobre de mim,
Que desde então esse bicho
No quarto fez o seu nicho,
E eu vivo a sofrer assim:
Preso ao horror que me assombra,
Arrasto-me à sua sombra,
Nesses transes infernais,
E a minha alma não se livra,
Minha alma não mais se livra,
Nunca, nunca, nunca mais!



trad. José Lira - 1995




Tradução em décimas de sete sílabas, publicada como 'literatura de cordel', Recife (Literart, 1995).

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Encontro de Leitura e Literatura





Evento do Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens que estou ajudando a organizar.Divulguem!