sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Dá Dá Dá

Por B. de Quatre


Há um certo tempo eu contei aqui a história de um reino muito muito muito distante. Pois bem, ouvi recentemente uma continuação dessa história. Dizem por aí, que esse reino beira uma revolução. Tudo isso por causa de jovens seres destemidos, corajosos e engajadíssimos. Fiquei muito feliz com essa notícia pois este é um bom exemplo de que o mundo ainda tem jeito. Tudo pode mudar se nos dermos as mãos, afinal, de mãos dadas ninguém pode roubar, matar ou bater em ninguém. Sigamos o exemplo dos jovens desse reino! Suas ações são simples e podem ser generalizadas. Entre suas estratégias revolucionárias estão as festas caríssimas que eles organizam. Tudo isso para arrancar dinheiro dessa classe média alienada, burguesa, capitalista selvagem e empregar as classes menos favorecidas que podem trabalhar como segurança, frentista ou catar as latinhas de cerveja. Ai, gente, esse tipo de atitude até me emociona! Que exemplo! Que exemplo! Mas é claro que esse tipo de movimento não é acessível a todos. Claro que não! Eles são muito espertos e se protegem da ação de espiões mal intencionados que querem minar a revolução. Para entrar no grupo tem que ser engajado e estar disposto a dar tudo pela revolução. Soube inclusive que há no grupo uma grande revolucionária. Ela leva o grupo no peito, está sempre aberta para o movimento. Dizem até que ela é tão engajada, mais tão engajada, que não se contenta apenas com a esquerda e a direita, ela se posiciona também no centro e está sempre em cima e embaixo, embaixo e em cima. Porém, tudo indica que essa postura acolhedora é apenas uma manobra política. Colheram um depoimento dela que demonstra que ele é extremamente comprometida com as classes menos abastadas: “mais pra esquerda, mais pra esquerda... isso, assim, assim, assim, ai, ai, ai...”.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Tombo do Navio

Por Carol Medrado
[...] Faz três meses que não chove. Mas eu tenho sorte, moro às margens do rio. Embora nem toda a água do rio seja capaz de irrigar essa vida. Eu nunca entrei nesse rio, eu não sei nadar. Eu não gosto dele, eu não gosto de nada daqui. Eu não sou daqui, sou de Salvador. Saí da capital para morar nessa cidadezinha com a promessa de meu pai que só ficaríamos por cinco anos (isso já faz dez). Eu também era uma promessa, agora sou apenas uma flor estranha em meio aos cactos. Eu não me sento nas calçadas para falar da vida alheia, eu não vou à igreja, eu não freqüento os bares infectos com a juventude alienada. Eu sou muito melhor que eles. Sou muito melhor do que tudo aqui. Eu não preciso deles, eu tenho meus livros. Meus livros, o único sinal de que há uma vida fértil em algum lugar do mundo. Eu gosto de sentar embaixo da Algaroba com eles e fingir que estou longe daqui. Só eu, os livros e a algaroba. A árvore estrangeira como eu. A árvore que chora que chora com saudades da sua terra. Parece que eu sou a única que lê por aqui. Acho que esse é o motivo do meu exílio, é por isso que meus colegas me rejeitam, meus vizinhos fazem careta quando passo. Mas eu não me importo, eles são rasos demais para me entender. Ontem, quando voltava do colégio, um colega jogou uma pedra em mim. Ficou uma marquinha funda bem em cima da minha sobrancelha. Idiota, são todos uns idiotas. Mas eu não me importo. Hoje eu decidi afogar meus livros. Fiquei lá, na beira do rio, vendo os livros afundarem. Criancinhas nojentas pegaram os restos dos livros e fizeram ridículos barquinhos de papel. O barquinho do Balzac foi o último a afundar.


Bia, 23 de março de 2007.




terça-feira, 18 de setembro de 2007

[mixórdia mnemônica]

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Pequenos balões negros num
Canto perdido da sala
Oferecem a imagem
Lúgubre do tempo em que
Nada importava; tudo
Parecia impossível no
Movimento rápido dos
Seus olhos em agonia.

O que é humanidade?

Por Carol Medrado


Homem: qualquer indivíduo da espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva. Animal: ser vivo organizado dotado de sensibilidade e movimento; animal irracional; pessoa muito ignorante, ou cruel, ou estúpida. O livro Verdadeiros Animais de Hannah Tinti fez com que eu precisasse checar algumas definições. Esse é o primeiro livro da autora americana de Salem e é publicado no Brasil pela coleção Safra XXI da editora Rocco. É composto por onze contos onde os animais servem de pretexto para revelar a face animalesca do homem.

Razão: faculdade de avaliar, julgar, ponderar idéias universais; raciocínio, juízo; faculdade de estabelecer relações lógicas, de raciocinar, inteligência. A protagonista do conto “Como reanimar a cobra de sua vida” é uma secretária cuja principal atribuição no trabalho é recitar tamanhos e cores de post-its disponíveis e consertar pequenos defeitos na máquina de xerox. Fred, seu “namorado”, pede que ela tome conta de sua jibóia de estimação. Um dia, sem motivo aparente, Fred desaparece num show deixando a cobra de herança para a namorada. Ela passa a fazer de tudo para agradar a cobra, a jibóia torna-se o motivo de sua existência. Mesmo assim, por veleidade, ela resolve dissecá-la com a frieza que adquiriu em suas aulas de medicina. Só que Fred aparece para buscar a cobra...

Emoção: abalo moral; comoção. Martin Spordonza soube desde sempre do dom de Ambruzzo. Não foi à toa que Ambruzzo foi considerado o “Pistoleiro do ano”. À serviço da família Spordonza, Ambruzzo matava com fria precisão, sendo capaz de treinar sua mira em inocentes durante piqueniques. Ambruzzo só experimentou algo próximo do amor duas vezes. Quando sua avó que lhe criou morreu, ele foi incapaz de chorar. Ambruzzo era um animal, só um tiro seria capaz de atingir seu coração.

Estima: sentimento da importância, do valor, de alguém ou de algo; apreço; amizade. Slim era o coelho de estimação de Rick. A maior diversão de Rick era jogar Slim da janela do terceiro andar. A mãe de Rick parecia não se importar muito com a brincadeira desde que Rick não sujasse a roupa. Era ela que cuidava dos ferimentos do coelho, deixando-o pronto para outra viagem pela janela. “A última viagem de Slim” acontece sob seus olhos complacentes.

Dignidade: elevação ou grandeza moral; honradez; autoridade, gravidade; decência, decoro. Doë, Lulu e Francesco são girafas que vivem em um zoológico. No conto “Condições razoáveis” são os animais que adquirem feições humanas. A única coisa que as girafas querem é uma vida mais decente, por isso apresentam uma lista de exigências à direção do zoológico para que melhorem suas condições de vida. Para atingirem seus objetivos elas são capazes até mesmo de forjar suicídio. A situação acaba chamando a atenção da imprensa, mas a direção do zoo parece não querer negociar. Como é comum em protestos, por mais justas que sejam as exigências, o lado mais fraco acaba se dando mal.

Humano: próprio do homem; relativo ao homem; bondoso; humanitário. No conto que dá título ao livro são contadas diversas histórias sobre a relação entre os homens e os animais: um gato que salva sua dona da abdução, um tratador de leões que tem o seu braço comido, uma cacatua que prevê a morte do dono. Conta também a história da elefanta Marysue e de seu tratador. Um dia ele chega mais cedo do trabalho e vê um homem saindo escondido de sua casa. Ele espanca a mulher e fica feliz com isso: “todo mundo que trabalha com animais fica marcado em algum lugar”. Humanidade: natureza humana; o gênero humano; clemência; compaixão.


Resenha de TINTI, Hannah. Verdadeiros Animais. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Rosinha quase roxo

Por Carol Medrado

Ela queria ser loira. Pintava os cabelos e os pêlos de dourado. Dizia que era toda rosinha. A farsa acabava quando o chow chow mostrava a língua.
"De repente nós, os companheiros inseparáveis, o mestre e o pupilo, ou melhor, o mestre e sua testemunha, caminharíamos irremediavelmente sós, cada um diante de si mesmo, pelo deserto da nossa existência".

Paulo Rodrigues. À margem da linha. Cosac & Naify, 2001

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Com a Casinha Feliz na Ponta da Língua

Por Carol Medrado


A viúva viu o Ivo. Inflou-se ao imaginar-se incorporando incontestável iguaria. Japonês? Jamais! Jubilou-se em jugar jeitosa jibóia. Lambeu de leve a lingüiça longa e lustrosa. O lenho lançou um leitinho. Mexeu no majestoso maliciosamente. Não negou nada. Olhares ousados, ósculos obscenos. Passou a pele pelada nos pêlos. Penetrou o pujante pinto no poço do pandeiro. Quebrou quente o quadril querendo queimar o quintal. Rompeu o rabicó rumando rente à raiz. Roçou o rijo no rosto. Sugou selvagem o suculento senhoril. Sorveu o sumo saciando a sede. Serviu seu sexo ao semideus.Terremoto. “Ui, ui, ui, ui”.

sábado, 1 de setembro de 2007

Círculo de Marginais

Aconteceu comigo:
- Ei, senhor, neste prédio está acontecendo um Círculo de Leitura?
- Não, não. Aqui só mora gente de família, ninguém faz essas coisas não.
Um edifício de analfabetos.

Anil-28

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Devasto o resto de vida perto dos trinta
no banco azul de plástico pintado em flor
de um bar cachaça-à-vista, cujo olhar de
um outro percebe apenas a cor retinta
.