terça-feira, 22 de maio de 2007

O GRÁFICO

Por Rodrigo Matos


Algo de muito curioso acontece comigo, em todo canto que vou encontro fedor, mas desta vez ele me olhava e pedia 0,70 centavos para comprar um cigarro, honestamente, não entendi a cifra nem a honestidade do pedido, o que me fez pegar a carteira e tirar exatamente os 0,70 centavos. Mas o fedor personificado continuou ao meu lado me olhando, admirando-me de uma maneira estranha e próxima, tão próxima que potencializava extremamente o seu fedor, exalado por todos os cantos de seu corpo, mas principalmente de sua boca. Ele sentou ao meu lado sem ser convidado, me disse que eu era uma pessoa muito estranha e de supetão me perguntou: “você está lendo o que ai?”.Tinha me esquecido do livro tenso que estava com a presença dele, olhei a capa teatralmente e lhe mostrei, virando-a em sua direção. “Um sultão em Palermo”, disse, “que interessante, um muçulmano na Itália, é isso mesmo?”, olhando-me ironicamente, como que avaliando o impacto de suas palavras sobre mim.
Eu estava assustado, mas antes que me recuperasse ele se apresentou, “Meu nome é Julio, mas todos me conhecem como Julio, o gráfico”, e estendeu a mão cheia de escaras para mim. Não tinha escapatória, além da mão havia o sorriso e uma expressão afável, que me forçavam retribuir o cumprimento, apesar da repulsa que me causava o seu cheiro, apertei fortemente sua mão esperando que com isto ele se desse por satisfeito, mas ele não soltou a minha mão e me disse “você não esperava isso não é? O livro? Não sou daqui, sou de outro lugar. Já li muito, não conheço este, mas já li Saramago, você conhece?”, balancei a cabeça confirmando, “e aquele peruano, peruano não colombiano”, Garcia Márquez, completei, “esse mesmo, que escreveu Cem Anos de Solidão, que livro da porra, não é velho?”, ele estava feliz, eufórico, mas soltou a minha mão. Após o aperto de mão ele começou a me tocar de leve no ombro, com a intimidade de um amigo, que me autorizava a perguntar-lhe que desventura o havia trazido à condição decrépita em que se encontrava e ele me contou a história de um assalto seguido de um espancamento que o havia prostado em um leito de hospital por algumas semanas, separando-o da família e de sua cidade, para onde estava retornando na condição de indigna de mendigo.
Ele me propôs que fumássemos um cigarro, já que meu ônibus ia atrasar mesmo, aceitei. Conversamos sobre Literatura – descobri que ele não gostava de Paulo Coelho, adorava o ciclo macondiano e Machado de Assis -, Política, Hugo Chávez, Oriente Médio, Juliana Paes e a legalização da maconha, mas a nossa conversa mais extensa acabou sendo sobre mercado editorial e técnicas para editoração de um livro.
Minha especialidade é a policromia, adoro fazer capas coloridas, mas é muito caro. Ninguém quer arcar com os custos de uma edição colorida, aqui no interior um gráfico fica reduzido a um impressor de talão de notas fiscais, é muito pouco, até para sobreviver. Adoraria fazer uma capa como esta – pegando o meu livro em suas mãos e olhando-o desolado – colorida, bonita e bem acabada. Quanto custa um livro desses? Deve ser caro...”.
Propus pagar sua passagem de volta para casa, mas ele recusou veementemente dizendo não ser ainda o momento. Não perguntei o motivo da recusa, pois entendi sua condição, não era daquele jeito que queria voltar. De repente houve uma chamada para um ônibus, era o meu, Julio foi até a mureta da estação e voltou confirmando o destino do ônibus. Reiterei a oferta da passagem e novamente ele recusou. Dirigi-me à plataforma acompanhado pelo meu amigo, nos despedimos com um abraço e com a direção de onde no futuro poderíamos nos encontrar. Entrei no ônibus e na estação o gráfico acenava dizendo adeus. Ao retornar à leitura, encontrei um outro sentido para aquele livro, pois nele ficou impresso para sempre as marcas desse inesperado encontro.



Texto publicado no Jornal Varal de Notícias em Dezembro de 2006, nº. 1 , 1ª Edição, Salvador: PPGEL/UNEB, p .7.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não entendi nada

Anônimo disse...

Muito doido maluco