quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Clitóris



Aparo na língua azedo agridoce


quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

1

Teu cu desfez-se em sílaba.

2

No meio da noite a mulher-sol.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Margarida

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Sua vida é determinada pela produção. Não precisa do resto. O último romance foi substituído por um artigo que queria publicar, dizia em todos os cantos: “...vou publicar, vou publicar, vou publicar...”. Mesmo a falta de convites para um café não a assustava, ela esperava pela recompensa. Um dia recebeu em casa o calhamaço. 750 páginas de resumos científicos, lá pela 487 encontrou o seu, espremido com outros três em uma página. Gozou vendo o seu nome impresso junto com as cinco linhas que resumiam toda a sua existência.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Onírico

Por Rodrigo Lopez-Balthar

Para Borges e Hans

A mulher se reproduzia montanha abaixo. Multiplicando-se em cima de discos de vinil. Usava apenas uma calcinha de pano transparente. O movimento de seu quadril me chamou. O primeiro toque que dei foi a com a mão-verga, que ejaculou em cima do disco. Acordei com a imagem da porra branca escorrendo no círculo negro.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

RETORNO

Por Rodrigo Lopez-Balthar




Na foto Albert Camus

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Karl, O punk!

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Lá estava Ele sentado no terceiro banco da entrada do Passeio Publico. Embaixo de uma Mangueira. Era um dia chuvoso de inverno, cinzento, com muitas crianças e formigas ao seu redor. Uma das crianças se aproximou e disse com amabilidade:
- Pense.
- Foda-se o sistema! – bradou o imbecil.
Lá estava Ele sentado no terceiro banco da entrada do Pesseio Público. Embaixo de uma Mangueira. Era um dia chuvoso de primavera, luminoso, com muitas crianças, adultos e formigas ao seu redor. Uma das formigas se aproximou e disse com extrema leveza:
- Viva.
- Foda-se o Estado! –gritou o torpe.
Lá estava Ele sentado no terceiro banco da entrada do Passeio Público. Embaixo de uma Mangueira. Era um dia chuvoso de verão, radiante, com muitas crianças, adultos, mangas e formigas ao seu redor. Uma das Mangas se aproximou e disse com doçura:
- Coma
- Foda-se o Poder! – regurgitou o ignóbil.
Lá estava Ele sentado no terceiro banco da entrada do Passeio Público. Embaixo de uma Mangueira. Era um dia chuvoso de outono, nublado, com muitas crianças, adultos, folhas e formigas ao seu redor. Um dos adultos se aproximou e disse sorridente:
- Ame
- Foda-se ... – cacofoniou o infame.
Após esgotar seus clichês, Karl foi tomado pela ira; correu em direção à murada, mas antes de se defenestrar uma folha o transformou em um Urubu e, assim, ele voou bem alto, sobrevoou a cidade, o mundo, as pessoas e as árvores. Depois de um longo tempo no céu pousou em sua cama, abriu os olhos, levantou-se, acariciou seu cachorro e se colocou defronte a porta da cozinha, observou sua Avó – que requentava a borra matinal - por alguns segundos e vociferou olvidando O sonho :
- Já fez o café velha desgraçada!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

TAKEDA É POP

Por Rodrigo Lopez-Balthar


A juventude é um período de conflitos e conceitualmente é tão complicado definir o que é um jovem quanto entendê-los. Num mundo em que a juventude parece prolongar-se além do limite dos trinta anos e a bater já às portas dos quarenta, discutir esta condição é no mínimo arriscado. É isto que faz André Takeda em Cassino Hotel.
O livro trata das escolhas que tomamos neste ponto da vida em que nada é definitivo ainda, e até as mudanças, que em princípio são radicais, parecem ser diluídas no filtro da inconstância.
Takeda lança sobre este momento da vida um olhar dramático, exposto a partir da vida de um ex-roqueiro gaúcho dependente químico, que ganha a vida tocando guitarra para uma cantora pop filha de um cantor sertanejo do interior de São Paulo (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência), com quem tem um relacionamento amoroso.
Este fato desencadeará seu retorno ao Rio Grande do Sul, mais precisamente, a praia do Cassino, onde reencontrará um grupo de pessoas que foram afetadas pelas escolhas que ele fez num passado não muito distante.
A reaproximação desencadeia uma série de conflitos e transformações na vida de João (este é o nome da personagem principal), que provocam uma série de pequenos dramas em cada um dos reencontros e conduzem-no num ininterrupto processo de reflexão sobre a condição humana e o sofrimento que as nossas tomadas de posição produzem.
Um livro de geração, que parece fazer parte de um projeto mais amplo do autor, que é a de criar no Brasil uma literatura de consumo, sem o ranço acadêmico muito comum em autores brasileiros. Cassino Hotel não tem pretensões, e por isso é pop.


TAKEDA, André. Cassino Hotel. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007


“Quem não sofreu, algum dia, com essa estampa patética? Por que há dois cães? Ou melhor, um, o do cio, que deseja, e depois sua presa impossível, que não deseja e que por não desejar já não é um cão, mas outra coisa: algo inerte, um pedaço de pedra, uma planta, um tronco em forma de cão? Assim, entre aquele que deseja e aquele que não, o que faz papel de ridículo é sempre o primeiro, pois, atirando-se sobre a criatura que não retribui sua atenção não comete um erro de avaliação, nem de cálculo, nem de oportunidade: engana-se de espécie”. (p.310)

PAULS, Alan. O Passado. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

SÉTIMA

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Apesar da torcida
eu não fracassei, Mãe. Vi
todo o seu desprezo
por mim acompanhar-me
no desenrolar do dia,
para fazer do fraco
menino homem forte
de consciência em
pé. Agora que nada
resta, olho-te com a
mesma escuridão e
embalo o meu ódio
com a canção dilúvio
de estribilho duro
que sufoca lembranças
suas.

domingo, 7 de outubro de 2007

Como os Romanos

Por Carol Medrado

“”Eu adoro História. É a minha matéria favorita na escola. Eu gosto porque fala de gente importante que fez coisas importantes. Eu também gosto de revista de fofocas. Pra mim, revista de fofoca e História são a mesma coisa. Eu tenho certeza que o nascimento da Sasha um dia entrará num livro de História. Eu gosto de ler e saber sobre coisas e pessoas importantes. Eu nunca fiz nada de importante, mas tô bem conhecida e falada aqui na minha cidade. Na verdade, conhecido aqui, todo mundo é. Já falada, eu sou a celebridade do momento. Eu até que gosto disso, embora eu ache que não fiz nada demais. Filho, todo mundo tem, Gracília, filha da dona da venda, também teve filho aos quinze anos. Ter filho não é nada demais, qualquer mulher pode ter, é só abrir as pernas pra entrar e abrir as pernas pra sair. Já ser a Xuxa, já ser a mãe de Sasha, não é pra qualquer um! Isso é importante. Isso entra pra revista legal e livros de História. Ter filho de um Zé numa terra de ninguém não é nada. Nada! E mesmo assim tá todo mundo me olhando, todo mundo cochichando, todo mundo me apontando. A Xuxa também teve a filha de um cabra e criou a filha sozinha. Por que eu não posso? Não é nada demais ter filho, botar filho no mundo todo mundo bota. Só porque eu não quero dizer quem é o cabra, o cabra safado, como diz painho. Não digo, não, painho. Eu só digo que foi aqui na beira do rio. Foi na beira do rio e foi bom. Foi bom, eu gostei. Mas agora não posso mais fazer, agora ninguém me quer mais. Agora eu vou pra praça e as meninas fica com quem quer e eu fico só olhando. E vai ser aqui na beira do rio que ele vai nascer. Ele vai se chamar Rômulo. Eu até já comprei a cestinha, sei que será difícil no início. Mas só assim ficarei conhecida. Serei a mãe do fundador de um império””.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Dá Dá Dá

Por B. de Quatre


Há um certo tempo eu contei aqui a história de um reino muito muito muito distante. Pois bem, ouvi recentemente uma continuação dessa história. Dizem por aí, que esse reino beira uma revolução. Tudo isso por causa de jovens seres destemidos, corajosos e engajadíssimos. Fiquei muito feliz com essa notícia pois este é um bom exemplo de que o mundo ainda tem jeito. Tudo pode mudar se nos dermos as mãos, afinal, de mãos dadas ninguém pode roubar, matar ou bater em ninguém. Sigamos o exemplo dos jovens desse reino! Suas ações são simples e podem ser generalizadas. Entre suas estratégias revolucionárias estão as festas caríssimas que eles organizam. Tudo isso para arrancar dinheiro dessa classe média alienada, burguesa, capitalista selvagem e empregar as classes menos favorecidas que podem trabalhar como segurança, frentista ou catar as latinhas de cerveja. Ai, gente, esse tipo de atitude até me emociona! Que exemplo! Que exemplo! Mas é claro que esse tipo de movimento não é acessível a todos. Claro que não! Eles são muito espertos e se protegem da ação de espiões mal intencionados que querem minar a revolução. Para entrar no grupo tem que ser engajado e estar disposto a dar tudo pela revolução. Soube inclusive que há no grupo uma grande revolucionária. Ela leva o grupo no peito, está sempre aberta para o movimento. Dizem até que ela é tão engajada, mais tão engajada, que não se contenta apenas com a esquerda e a direita, ela se posiciona também no centro e está sempre em cima e embaixo, embaixo e em cima. Porém, tudo indica que essa postura acolhedora é apenas uma manobra política. Colheram um depoimento dela que demonstra que ele é extremamente comprometida com as classes menos abastadas: “mais pra esquerda, mais pra esquerda... isso, assim, assim, assim, ai, ai, ai...”.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Tombo do Navio

Por Carol Medrado
[...] Faz três meses que não chove. Mas eu tenho sorte, moro às margens do rio. Embora nem toda a água do rio seja capaz de irrigar essa vida. Eu nunca entrei nesse rio, eu não sei nadar. Eu não gosto dele, eu não gosto de nada daqui. Eu não sou daqui, sou de Salvador. Saí da capital para morar nessa cidadezinha com a promessa de meu pai que só ficaríamos por cinco anos (isso já faz dez). Eu também era uma promessa, agora sou apenas uma flor estranha em meio aos cactos. Eu não me sento nas calçadas para falar da vida alheia, eu não vou à igreja, eu não freqüento os bares infectos com a juventude alienada. Eu sou muito melhor que eles. Sou muito melhor do que tudo aqui. Eu não preciso deles, eu tenho meus livros. Meus livros, o único sinal de que há uma vida fértil em algum lugar do mundo. Eu gosto de sentar embaixo da Algaroba com eles e fingir que estou longe daqui. Só eu, os livros e a algaroba. A árvore estrangeira como eu. A árvore que chora que chora com saudades da sua terra. Parece que eu sou a única que lê por aqui. Acho que esse é o motivo do meu exílio, é por isso que meus colegas me rejeitam, meus vizinhos fazem careta quando passo. Mas eu não me importo, eles são rasos demais para me entender. Ontem, quando voltava do colégio, um colega jogou uma pedra em mim. Ficou uma marquinha funda bem em cima da minha sobrancelha. Idiota, são todos uns idiotas. Mas eu não me importo. Hoje eu decidi afogar meus livros. Fiquei lá, na beira do rio, vendo os livros afundarem. Criancinhas nojentas pegaram os restos dos livros e fizeram ridículos barquinhos de papel. O barquinho do Balzac foi o último a afundar.


Bia, 23 de março de 2007.




terça-feira, 18 de setembro de 2007

[mixórdia mnemônica]

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Pequenos balões negros num
Canto perdido da sala
Oferecem a imagem
Lúgubre do tempo em que
Nada importava; tudo
Parecia impossível no
Movimento rápido dos
Seus olhos em agonia.

O que é humanidade?

Por Carol Medrado


Homem: qualquer indivíduo da espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva. Animal: ser vivo organizado dotado de sensibilidade e movimento; animal irracional; pessoa muito ignorante, ou cruel, ou estúpida. O livro Verdadeiros Animais de Hannah Tinti fez com que eu precisasse checar algumas definições. Esse é o primeiro livro da autora americana de Salem e é publicado no Brasil pela coleção Safra XXI da editora Rocco. É composto por onze contos onde os animais servem de pretexto para revelar a face animalesca do homem.

Razão: faculdade de avaliar, julgar, ponderar idéias universais; raciocínio, juízo; faculdade de estabelecer relações lógicas, de raciocinar, inteligência. A protagonista do conto “Como reanimar a cobra de sua vida” é uma secretária cuja principal atribuição no trabalho é recitar tamanhos e cores de post-its disponíveis e consertar pequenos defeitos na máquina de xerox. Fred, seu “namorado”, pede que ela tome conta de sua jibóia de estimação. Um dia, sem motivo aparente, Fred desaparece num show deixando a cobra de herança para a namorada. Ela passa a fazer de tudo para agradar a cobra, a jibóia torna-se o motivo de sua existência. Mesmo assim, por veleidade, ela resolve dissecá-la com a frieza que adquiriu em suas aulas de medicina. Só que Fred aparece para buscar a cobra...

Emoção: abalo moral; comoção. Martin Spordonza soube desde sempre do dom de Ambruzzo. Não foi à toa que Ambruzzo foi considerado o “Pistoleiro do ano”. À serviço da família Spordonza, Ambruzzo matava com fria precisão, sendo capaz de treinar sua mira em inocentes durante piqueniques. Ambruzzo só experimentou algo próximo do amor duas vezes. Quando sua avó que lhe criou morreu, ele foi incapaz de chorar. Ambruzzo era um animal, só um tiro seria capaz de atingir seu coração.

Estima: sentimento da importância, do valor, de alguém ou de algo; apreço; amizade. Slim era o coelho de estimação de Rick. A maior diversão de Rick era jogar Slim da janela do terceiro andar. A mãe de Rick parecia não se importar muito com a brincadeira desde que Rick não sujasse a roupa. Era ela que cuidava dos ferimentos do coelho, deixando-o pronto para outra viagem pela janela. “A última viagem de Slim” acontece sob seus olhos complacentes.

Dignidade: elevação ou grandeza moral; honradez; autoridade, gravidade; decência, decoro. Doë, Lulu e Francesco são girafas que vivem em um zoológico. No conto “Condições razoáveis” são os animais que adquirem feições humanas. A única coisa que as girafas querem é uma vida mais decente, por isso apresentam uma lista de exigências à direção do zoológico para que melhorem suas condições de vida. Para atingirem seus objetivos elas são capazes até mesmo de forjar suicídio. A situação acaba chamando a atenção da imprensa, mas a direção do zoo parece não querer negociar. Como é comum em protestos, por mais justas que sejam as exigências, o lado mais fraco acaba se dando mal.

Humano: próprio do homem; relativo ao homem; bondoso; humanitário. No conto que dá título ao livro são contadas diversas histórias sobre a relação entre os homens e os animais: um gato que salva sua dona da abdução, um tratador de leões que tem o seu braço comido, uma cacatua que prevê a morte do dono. Conta também a história da elefanta Marysue e de seu tratador. Um dia ele chega mais cedo do trabalho e vê um homem saindo escondido de sua casa. Ele espanca a mulher e fica feliz com isso: “todo mundo que trabalha com animais fica marcado em algum lugar”. Humanidade: natureza humana; o gênero humano; clemência; compaixão.


Resenha de TINTI, Hannah. Verdadeiros Animais. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Rosinha quase roxo

Por Carol Medrado

Ela queria ser loira. Pintava os cabelos e os pêlos de dourado. Dizia que era toda rosinha. A farsa acabava quando o chow chow mostrava a língua.
"De repente nós, os companheiros inseparáveis, o mestre e o pupilo, ou melhor, o mestre e sua testemunha, caminharíamos irremediavelmente sós, cada um diante de si mesmo, pelo deserto da nossa existência".

Paulo Rodrigues. À margem da linha. Cosac & Naify, 2001

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Com a Casinha Feliz na Ponta da Língua

Por Carol Medrado


A viúva viu o Ivo. Inflou-se ao imaginar-se incorporando incontestável iguaria. Japonês? Jamais! Jubilou-se em jugar jeitosa jibóia. Lambeu de leve a lingüiça longa e lustrosa. O lenho lançou um leitinho. Mexeu no majestoso maliciosamente. Não negou nada. Olhares ousados, ósculos obscenos. Passou a pele pelada nos pêlos. Penetrou o pujante pinto no poço do pandeiro. Quebrou quente o quadril querendo queimar o quintal. Rompeu o rabicó rumando rente à raiz. Roçou o rijo no rosto. Sugou selvagem o suculento senhoril. Sorveu o sumo saciando a sede. Serviu seu sexo ao semideus.Terremoto. “Ui, ui, ui, ui”.

sábado, 1 de setembro de 2007

Círculo de Marginais

Aconteceu comigo:
- Ei, senhor, neste prédio está acontecendo um Círculo de Leitura?
- Não, não. Aqui só mora gente de família, ninguém faz essas coisas não.
Um edifício de analfabetos.

Anil-28

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Devasto o resto de vida perto dos trinta
no banco azul de plástico pintado em flor
de um bar cachaça-à-vista, cujo olhar de
um outro percebe apenas a cor retinta
.




sexta-feira, 31 de agosto de 2007

ACRIMONIOSO

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Vivo numa borda, num tempo-espaço entre o velho e o novo. Não é em uma fronteira. É um centro, mesmo assim borda. Passo pelo ex-boteco convertido em lounge-bar, acolhedor de uma fauna distinta da minha, não posso mais freqüenta-lo. Na padaria, hoje delicatessen, volto no tempo, peço: - um cigarro, por favor! Maço retalhado, ainda, como antigamente. Mas o gosto amargo vem travestido de novidade: sabor de menta.

domingo, 26 de agosto de 2007

Adidias

Por Carol Medrado

À primeira vista, ela se apaixonou. Fácil. Ela nunca esqueceria aquele dia. Ele usava uma bermuda Adidas preta que contrastava com os seus cabelos grisalhos, a chave do carro balançava pendurada na bermuda. Ele contou que era médico e levou-a para sua casa de praia. Fácil.
À segunda vista, ela descobriu. Ela nunca esqueceria aquele dia. Ele tinha acabado de se separar. Ele contou que a mulher levou o carro e a casa de praia e que boa parte do seu salário foi para a pensão dos filhos. Ele usava a mesma bermuda preta. À segunda vista: Adidias. Revelou-se um legítimo homem Adidias.
Mas agora não tinha mais jeito, seu destino já havia sido traçado desde o início nas linhas daquela bermuda. O conto de fadas terminou. E eles foram felizes para sempre: a felicidade, quando se é hipermetrope, também é fácil.

sábado, 25 de agosto de 2007

Meninas, eu li!

Por B. de Quatre


Agora é moda menininhas escreverem livrinhos floreando as suas vidinhas. Comprar pão na esquina ou dar uma mijadinha já garantem um livro, Dias Gomes que o diga. Mas para isso você precisa ser filha de alguém, ter bons amigos ou ser diferente. (Leia-se: ter tatuagens, piercings e cabelo vermelho). Se é moda, é legal. Se é legal, tamos aí! Mas, me desculpem garotinhas, se é moda eu prefiro Paris! Eu prefiro Hell. Se é Paris, é legal. Se é legal, eu leio.

“Não vim segurar a pena para descrever a existência de gente pobre e feia: em primeiro lugar, não sei nada a respeito, em segundo, esse não é um tema dos mais divertidos”. “Sou francesa e parisiense e estou me lixando para o resto; pertenço a uma única comunidade, a mui cosmopolita e controversa tribo Gucci Prada – a grife é meu distintivo”. Essa garota é das minhas! Como vocês vêem, a vida de Hell não precisa ser floreada. Ela é linda, muito rica, mora em Paris (no 16º Arrondissement, isso é que é chique), esquia em Saint-Moritz, faz compras em Milão e janta em um iate em Saint-Tropez. Tudo isso, claro, usando Gucci, Dior e Prada. Quem precisa de mais? A pobre da Hell precisa. Precisa de Prozac. Precisa de alguém que a ame. Precisa de um sentido para a sua vida. E outras futilidades do tipo. A garota começa esbanjando graça e beleza e no final quer cuspir na boate em que dançou. Isso não se faz!

Gente! Nesse livro a Lolita Pille revela todos os podres da alta sociedade francesa. Drogas, dinheiro sujo, surubas, consumismo e depressão. Está tudo lá. Nada que a gente já não saiba, é verdade. Mas, mesmo assim, dizem por aí que depois do livro ela passou a ser rejeitada pelos amigos e proibida de entrar em algumas boates. Bem feito para você, queridinha! Quem mandou querer dar uma de Mister M.?


Ps: Esse livro me rendeu uma cicatriz no meio da testa. Nada mais chique do que uma cicatriz na testa causada por um livro francês. Literalmente, um livro marcante.



Resenha de PILLE, Lolita. Hell.Rio de Janeiro: Intrínseca, 2003.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

VERMICIDA

Por Rodrigo Lopez-Balthar


O Prurido irritante prolifera rente ao ânus. Pensava-ele operar a chaga, algo que acabasse com o raspar de dedos na pele. Um médico dissera-lhe um dia, “vire um platelminto se isso o incomoda tanto”, mal sabia ele que o cu não era o problema, era o sangue que não prestava. Descobriu em casa mesmo sem discurso de doutor algum sua cura, bastava olhar-se no espelho. O diagnóstico foi de uma precisão hipocondríaca: amarelo quase verde. Fez um corte fundo no rego, sangria para se livrar do mal.

sábado, 18 de agosto de 2007

É Refresco

Por B. de Quatre

Eu não tenho nada a lhe oferecer a não ser olhinhos verdes, boquinha carnuda e bundinha durinha. Você quer ser meu amigo? Eu não tenho nada a lhe oferecer a não ser um link lá no meu blog, também posso falar você é gente boa. Posso dizer que seus livros são ótimos, mesmo não tendo lido nenhum.Você quer ser meu amigo? Seja meu amigo! Por favor! A gente pode até formar um grupo novo feito Balão Mágico, embora eu prefira o Trenzinho da Alegria. Você quer ser meu amigo?
Quem tem amigos tem tudo. E quem não tem amigos? Quem não tem amigos não tem livro resenhado e divulgado em revista. Não ganha concurso literário. Quem não tem amigos não é comentado. Quem não tem amigos não é visto, lido ou falado. Papai e mamãe não acessam a net. Quem vai dizer que eu sou bonito e legal? Fica combinado assim: eu lustro o seu espelho e você lustra o meu. Eu entro no seu e depois você entra no meu. Não esquece de espalhar por aí o quanto foi bom.Você arma a minha barraca e eu ajudo você a armar o seu circo. Atirar-se de um trapézio sem rede é muito perigoso. Principalmente quando se é amador. Portanto, modere os comentários. Seus amigos te aparam. Quem não tem amigos não tem blog divulgado em jornal. Pode até ser um diariozinho cor-de-rosa onde uma menininha fala de seus medos, não importa. Tá lá num jornal extremamente criterioso. Uma mão lava a outra e as duas puxam o saco. Esse é o critério. É tão triste não ter amigos! Quem não tem amigos, ou tem uma lista muito restrita, fica até sem assunto para uma revista. E sai por aí feito disco arranhado cantando glórias.... Se tá ardendo é porque tá entrando. Manda um amigo seu passar vaselina. Eu posso assoprar, mas você vai ter que me prometer que vai ser meu amigo....

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Buganvílias

Por Carol Medrado


"Buganvílias derramavam-se sobre os muros, viçosas e vermelhas [...] aquela era a planta favorita dela, as folhas brilhantes e finas como papel escondendo suas florezinhas brancas”. Na frente da minha casa tinha uma buganvília, seus galhos cheios de espinhos roçavam à noite na janela do meu quarto e me deixavam com medo. Foi assim que a buganvília ficou representada na minha infância: a beleza que me paralisava, que me assustava e que podia me ferir. E é como buganvílias que eu vejo as mulheres de Mary Anne Mohanraj em Corpos em Movimento. Como a planta de flores viçosas e vermelhas, com folhas brilhantes e finas como papel, mas dotada também de espinhos camuflados pelos cachos de flores. O livro é publicado no Brasil pela editora Rocco e faz parte da coleção Safra XXI que se propõe a apresentar novos autores. É o primeiro livro da autora que nasceu no Sri Lanka e passou a maior parte da vida nos Estados Unidos.

A obra conta as histórias de duas gerações de famílias do Sri Lanka, os Kandiahs e os Vallipurams, que emigram para os Estados Unidos. As histórias dos membros dessas famílias são contadas em forma de contos que, apesar do desenvolvimento histórico, podem ser lidos sem uma seqüência linear. O livro é dividido em seis partes: primórdios, os Kandiahs, interlúdio, os Vallipurams, os filhos e epílogo. Nos “primórdios” são exploradas as vidas dos integrantes das primeiras gerações dessas famílias e suas emigrações. A história “Sete copos d’água”, que está nesta parte do livro, é a que eu considero como a melhor do livro. Fala do relacionamento amoroso entre uma mulher recém-casada e sua cunhada e merece essa menção pela forma como Mohanraj desenvolve a sexualidade de ambas: você acaba descobrindo maneiras alternativas de se matar a sede. O “interlúdio” é interessante por tratar do conflito entre a etnia tâmil e singalesa no Sri Lanka. Contudo, a melhor parte do livro é “os filhos” que se destaca pelo domínio de Mohanraj em criar enredos que abordam a sexualidade. Os melhores contos/capítulos sobre esse assunto estão nessa parte do livro como: “Corpos em Movimento”, “Minal no Inverno” e “Madeira e Carne”. Pelo mesmo motivo vale a pena ler o conto “Pedaços do Coração”.

É marcante no livro a predominância do feminino que se apresenta com uma fachada de beleza, fragilidade e submissão. Essa é a condição que a cultura singalesa, de casamentos arranjados e de mulheres que usam sáris, impõe a elas. Porém, as mulheres de Mohanraj, embaixo de suas flores viçosas e folhas frágeis, se rebelam e encontram um equilíbrio entres seus desejos e suas condenações. São mulheres capazes de induzir o aborto do filho de um marido que não amam ou de matar delicadamente o pai de sua filha que representa uma ameaça para a garota. A questão da adaptação cultural também é explorada no livro. Em contato com uma cultura tão diferente os personagens têm que encontrar uma maneira de preservar suas origens e incorporar o novo, nem que seja comendo purê de batatas com pimenta vermelha. Ou fazendo com que o Ramayana ganhe uma versão americana e contemporânea.


Resenha de MOHANRAJ, Mary Anne. Corpos em Movimento; tradução de Lea Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

...ele vai te pegar

" A palavra 'tengu' é originária de chinês 'tien-kou', que significa 'cão celestial'. Os tengus povoam os mitos e a imaginação dos japoneses. O senso comum classifica-os meramente como 'demônios da montanha'. Essas personificações arquetípicas originaram uma série de interpretações e descrições a respeito dos Tengu que, não raro, são retatados como 'goblins', monstros ou ciaturas mágicas. No Japão, ao invés do bicho-papão, são contadas às crianças estórias de tengu, que as perseguiriam".

In: O Dedo do Imperador e outros contos japoneses, tradução de Rodrigo Manzano. São Paulo: Landy, 2005

domingo, 12 de agosto de 2007

Lobo Antunes

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Martillo y cinzel. Dentro de uma pedra há um cavalo. Com martelo, cinzel e sonho se faz com que uma pedra se transforme em uma escultura. A cabeça de um homem pode transformar o informe barro em outro homem-barro seu semelhante imóvel. É assim que vejo António Lobo Antunes: um escultor de palavras.
Sua leitura é um passeio em campo onírico de esculturas, a linguagem esculpida, tomando forma no amor, na dor, na angústia e no desespero. Uma leitura de maioridade, demorada, sem a pressa bestselleriana; com ritmo próprio, determinado pelo autor. Cuja visão cruel do homem está além da experiência imediata com a guerra - vivida por ele e relatada em Os Cus de Judas - inscreve-se em nossos atos cotidianos mais comuns, na nossa pequena guerra chamada vida.


Pequeno Extrato:


"Talvez que quando eu for velho, reduzido aos meus relógios e aos meus gatos num terceiro andar sem elevador, conceba o meu desaparecimento não como o de um náufrago submerso por embalagens de comprimidos, cataplasmas, chás medicinais e orações ao Divino Espírito Santo, mas sob a forma de um menino que se erguerá de mim como a alma do corpo nas gravuras do catecismo, para se aproximar, em piruetas inseguras, do negro muito direito, de cabelo esticado a brilhantina, cujos beiços se curvam no sorriso enigmático e infinitamente indulgente de um buda de patins".


Antônio Lobo Antunes. Os Cus de Judas. Rio de Janeiro: Objetiva/Alfaguara, 2007.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A Filha de Freud: uma historinha infantil

Por Carol Medrado

Para Igor e Adriana



O Tigrão era o brinquedo favorito da Aninha. Em todas as suas diversões, lá estava o Tigrão. Ela adorava brincar de casinha com ele, no esconde-esconde e no pega-pega ele também era imbatível. Mas sua brincadeira mais legal com ele era a de sobe e desce. Essa era a preferida da Aninha. Chegou o Natal e Aninha ganhou outro grande amigo de presente, um bichinho de pelúcia que ela chamou de Roxinho. Ela também gostava muito do Roxinho, mas ele não conseguiu tomar o lugar do Tigrão. Aninha estava muito feliz com seus dois amiguinhos, os três brincavam juntos o tempo todo. É uma pena que a felicidade de Aninha fosse durar tão pouco. Um dia, ao voltar da escola, Aninha pega o Tigrão em flagrante brincando de sobe e desce com o Roxinho. Que coisa feia! Tadinha da Aninha! Ela descobriu precocemente que os homens, mesmo os de pelúcia, não são nada confiáveis. Desde então ela passou a brincar apenas com suas Barbies.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Leitura Acessível


“Comprei” o livro Contos de Amor Rasgado de Marina Colasanti na Bienal do Livro da Bahia desse ano, acabei não pagando nada por ele pois o valor cobrado na entrada dava direito a três reais de desconto na compra de livros, justamente o preço do livro de Colasanti. Adquiri um livro novo e ótimo por um preço acessível. O livro é composto por pequenos contos cujo tema principal é o amor. O lirismo e o humor presente nos contos fazem com esteja entre as minhas melhores leituras do ano. Selecionei os contos que mais gosto entre os menores do livro:

Conto em Letras Garrafais

"Todos os dias esvaziava uma garrafa, colocava dentro sua mensagem, e a entregava ao mar. Nunca recebeu resposta.
Mas tornou-se alcoólatra. "

Prova de Amor

"'Meu bem, deixa crescer a barba para me agradar', pediu ele.
E ela, num supremo esforço de amor, começou a fiar dentro de si, e a laboriosamente expelir aqueles novos pêlos, que na pele fechada feriam caminho.
Mas quando, afinal, a doce barba cobriu-lhe o rosto, e com orgulho expectante entregou sua estranheza àquele homem: “Você não é mais a mesma”, disse ele.
E se foi. "

Uma Questão de Educação

"Viu sua mulher conversando no portão com o amante. Não teve dúvidas. Quando ela entrou, decapitou-a com o machado. Depois recolheu a cabeça e, antes que todo sangue escapasse pelo pescoço truncado, jogou-a na panela. Picou a cebola, os temperos, acrescentou água, e começou a cozinhar a grande sopa.
Pronta, porém, não conseguiu comê-la. Ânsias de vômito trancavam-lhe diante do prato macabro. Nunca, desde pequeno, suportara a visão de cabelos na comida. "

De fato, uma mulher preciosa

"Adoeceu a mulher. Bebia água, banhava-se com leite, recusava a comida, e não saía da cama. Entre as coxas, por vezes, uma baba irisada escorria, secando sobre a pele.
Passado algum tempo, quis penetrá-la o marido, há muito ausente daquele corpo. Mas adentrando nas carnes, sentiu o impedimento. Então, retirando-se dela, mergulhou os dedos em pinça, e no fundo, além de pétalas e pistilo, rodeada de mucosas palpitantes, pescou, úmida, a pérola. "


Resenha de COLASANTI, Marina. Contos de Amor Rasgado. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

domingo, 5 de agosto de 2007

A sublime diferença

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Não havia mais espaço. No intento de ser diferente só lhe restara uma alternativa. Acabou virando notícia: - Bicha fatiadora de bosta bota piercing no meio do cú.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Onívora faminta

Por Carol Medrado

Solteirona anuncia:

“Compro codorna macho.”

Descobriu que a codorna chega a medir 23 centímetros, vive em campos ralos, adquire forma ereta, esconde-se em buracos e que o macho é capaz de matar a fêmea de tanto cruzar. A única coisa que a prendia à vida era o amor aos animaizinhos...

A Gorda

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Cara de doida. Olhos de maluca denunciando a loucura. Esbugalhados. Ninguém lhe avisa que é doida, um dia enforca os filhos e todos se perguntarão "como foi que isto aconteceu?". Ela entrou na sala e começou a apresentar seu trabalho, tranqüila. Eu a observava com medo, sempre tive medo dela. De repente um estalo. Um sorriso em meu rosto. Um bilhete, que ninguém tinha prestado atenção jazia junto ao corpo: "Preciso que todos me amem".

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Latindo em Outro Quintal

"Resenha sobre o Pequenas Catástrofes
Olha só, ma[i]s uma resenha porreta sobre o PC (Pequenas Catástrofes). A Carol Medrado, do Blog, "O Cão Celestial", escreveu sobre o livro do tio Pablo. Leitura certeira, bem no centro da narrativa, que é o que importa. Valeu Carol! E visitem a página!" em 01/08/2007.
Pablo Capistrano viu, leu, gostou e publicou em seu site a resenha feita por Carol Medrado de Pequenas Catástrofes, seu livro lançado pela Editora Rocco. A postagem original está mais abaixo, mas quem quiser conferir no site dele acesse aqui.

Mega Mega Mega



Por B. de Quatre

Ai, gente, encontrei minha alma gêmea! Pena que eu não goste dessa fruta. Estou tão emocionado, meu Deus! Ela também gosta de Poliana, de Ghost, de Legalmente Loira e de Mr Rollan. Ela é fofinha que nem eu e o melhor de tudo é que ela é uma grande intelectual, escritora, professora universitária. Ela é incrível! Ela é ultra! Que mulher! Se eu fosse mulher eu teria inveja dela, ai, gente, eu tenho inveja dela! Para completar ela ainda é a autora de um dos meus livros favoritos (eu já falei dele aqui). Ela é hiper! Acho até que vou pintar meus pêlos de loiro para ficar mais parecido com ela. Que emoção! E o mais incrível é que ela é uma pessoa super simples, modesta. Ela é super! Meu Deus, ela é perfeita! Gata, eu tô na sua! Você é demais! Você é mega, mega, mega, megalo....

domingo, 29 de julho de 2007

A Rolinha do meu Coração


Por B. de Quatre

Comam a minha Carne e Bebam o meu Sangue e O Modo Seguro para Você Receber o Espírito Santo são os mais novos livros de Bruna Surfistinha. Você pode receber de graça na sua casa esses e outros clássicos da literatura Universal clicando AQUI.

Pingue_ _ _ _

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Alface folhuda dependurada na carne anuncia o caminho do túnel. Lambi e vomitei.

De Graça

Versão eletrônica (PDF) de Ovelhas que voam se perdem no ceu, livro de Daniel Pellizzari, AQUI

sexta-feira, 27 de julho de 2007

MENOS UMA

Por Rodrigo Lopez-Balthar

É com pesar que comunico a todos a morte de mais uma livraria: a Civilização Brasileira do Shopping Piedade. Esta perda vem se somar às muitas lojas da mesma rede, à bancarrota da Grandes Autores, Sabor dos Saberes, às Livrarias Salvador entre outras, que fecharam por toda a cidade nos últimos dez anos.
Os focos de resistência são poucos e somam, em uma contagem rápida, apenas dez: LDM, Saraiva, Galeria do Livro, duas Sicilianos, três Civilizações Brasileira e duas DILISA’s (estas últimas vendendo quase somente livros didáticos). Se alguém souber de alguma outra, que não seja sebo, avise-me, pois precisamos contabilizar os seus dias de duração.
Aliás, o tom de velório com que comecei este texto, tem o intuito de introduzir uma proposta: um enterro das livrarias de Salvador. E, ressaltar o nosso caráter alegre, festivo e pouco afeito à leitura com um enorme cortejo até o Campo Santo sob o som do Chiclete com Banana, onde enterraríamos os livros em êxtase coletivo.Vamos propor em seus lugares lojas de tambor, atabaque e abadás, estas sim, as reais representações do ser-baiano. Quem quiser ler que se mude para São Paulo ou Rio Grande do Sul.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Nããããão

Por Carol Medrado

Não, não, não. Socorro... socorro...” Continua correndo, mas não adianta. Olha para trás e ele continua lá. Por mais que corra ele continua lá. Corre. Cai numa poça de lama. E o outro lá. Entra num carro. Rápido, mais rápido, ele está se aproximando. Desce do carro. Corre, corre. Entra num bueiro. “Não, não, me deixa em paz!” Sai numa praia, se joga no mar. Nada com todas as suas forças, quebrando as ondas. Fecha os olhos, relaxa flutuando no mar. “Estou livre”. Entre as espumas o perseguidor aparece. Foge, corre. Entra num shopping, se esconde no provador de uma loja. Lá está o seu algoz, refletido no espelho. “Não, não, não...” Corre, está no meio de uma floresta. Corre, corre. Olha para trás, lá está ele, aquela figura assustadora, seu eterno perseguidor, seu maior medo, seu pior inimigo. “Me deixa em paz, por favor, me deixa em paz”. Corre, corre. Chega em casa, se esconde embaixo da cama. Ele aparece, ele está, não há escapatória: “o que é um pontinho vermelho em baixo da cama?”. “Não, não, nããããããão...” Acorda ofegante. “Foi só um pesadelo... maldito Louro José!”

Polpa

Por Rodrigo Lopez-Balthar
No elevador uma mini-saia sobe.
Os dedos descem.
A mini-saia aperta o botão.
Os dedos o zíper.
A mini-saia o ignora teatralmente, virando o rosto para o outro lado.
Os dedos entram na cueca.
A mini-saia sai.
Vendo-a balançar pelo corredor: ejacula, criando uma poça no azulejo marrom.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Fractais

Por Carol Medrado


Eu não entendo nada de filosofia e nem de música. E minha “viagem” sempre partiu da literatura. Por isso posso ter perdido algumas referências importantes para entender o livro Pequenas Catástrofes de Pablo Capistrano. Tive uma certa resistência inicial ao livro por causa disso, mas resolvi jogar pra cima e terminar de lê-lo. Ainda bem. Algumas peças ainda não encaixaram. E é o que me faz achar que eu entendi a história: o livro é um jogo de desencaixe. Sai da caixa, sai do centro e se possível sai do ego ou da persona. Explore a sombra.
O livro conta a história de um professor universitário que reencontra, muitos anos depois, um amigo de infância. O nome do amigo é Demian. Não vou dar o segredo do cofre, cabe dizer apenas que seria interessante ler Demian de Hermann Hesse, assim como ler Nietzsche e Wittgenstein e ouvir a trilha sonora do livro. O Demian de Capistrano é fotógrafo e por isso viajou o mundo todo. Foi durante as suas viagens que ele conheceu o Projeto Zaratustra em que pretende “iniciar” o personagem principal. O Projeto Zaratustra é uma mistura de ciência e religião no qual seus “adeptos” crêem que através do uso de uma droga chamada tetrapharmakon podem provocar a própria evolução e ter contato com Deus. É com o intuito de realizar essa iniciação que os dois viajam para a Europa. É a partir daí que começam as “pequenas catástrofes”? Eu acho que o personagem diria que não, as catástrofes já estão aí, já aconteceram e continuam acontecendo. Basta se atentar à revisão histórica que o personagem faz em sua viagem a Europa. Nessa viagem, que começa pela Alemanha, o personagem rememora a história de seu povo, os judeus, desde as perseguições anteriores às cruzadas até o holocausto. Continuando a viagem os dois chegam até a Grécia, onde será feito o ritual de iniciação. Nesse ritual ele usa o tetrapharmakon e passa cinco dias “suspenso” sobre o efeito da droga. Quando o efeito passa, ele não consegue se lembrar de nada e se vê num quarto de hotel ao lado de mulher que conheceu na viagem, Helena. É a terceira (?) Helena de sua vida, sua mulher e a mulher de Demian tem o mesmo nome. Parece até Manoel Carlos, né? Mas o nome, como tudo nesse texto, não é à toa. Como disse antes, não darei os segredos do cofre. De volta à realidade, ele tem que conviver com o mistério do que aconteceu nesses cincos dias de “ausência” e do que ocorreu entre ele e essa Helena. Nos preparativos de volta para casa ele descobre qual a real intenção de Demian ao procurá-lo: ele acaba sendo usado para levar uma mala cheia de tetrapharmakon para o Brasil. Chegando à Natal ele percebe que não passou incólume ao uso da droga, sendo acometido por pequenas crises de “ausência”. Quando é que começaram as “pequenas catástrofes”? Impossível dizer. O que sei é que a partir de então o personagem se perde totalmente, não tendo controle nem resposta nenhuma sobre a sua própria vida. Onde está Deus? Onde está a verdade? Onde eu estou? No final também acabei perdendo as minhas certezas e referências. Sentia-me como a imagem da capa do livro, entrando em caixinhas cada vez menores, cada vez menores, cada vez menores... sem saber onde tudo começou. Quem segura a caixa? Alguns podem dizer que é Deus. Eu prefiro dizer que é o próprio Capistrano.

Resenha de CAPISTRANO, Pablo. Pequenas Catástrofes. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Currico ou Se entupa de Dinheiro

Por Carol Medrado

Ela virou pra mim e perguntou:

- Pra que é que você quer estudar arte? O que é que a arte vai acrescentar ao seu currículo?

E eu me perguntei:

- Existe vida inteligente dentro dos currículos?

E o pior é que eu acho que não. Acho que ela tá certa. Toda vez que passo por uma seleção de estágio para vaga de RH (argh! Eu sei, eu sei, mas as pessoas têm que viver) fico com a impressão de que se fosse “menas” inteligente eu passaria. “Menas” leitura; “menas” criticidade; “menas” desarrumada (isso é o que eles pensam!). Como diz uma amiga minha: eu não me encaixo no perfil. Tudo bem, na próxima vez eu faço uma lobotomia.

sábado, 21 de julho de 2007

ATWOOD

Por Rodrigo Lopez-Balthar



Existem textos que te arrebatam, não deixando que você o largue nem por um minuto, existem textos que devem ser abandonados para que permaneçam em seu solilóquio impenetrável ou burro e existem livros para serem degustados, cada pedacinho como um precioso néctar, divino para os crédulos, maravilhoso êxtase para os mortais que escolheram a orfandade ateística. Sofri desse maravilhamento ao entrar na tenda de Margaret Atwood.

A autora chegou até mim através de um amigo – mesmo que nunca o tenha conhecido -, Alberto Manguel, que a resenhou com muito vigor e sensibilidade em seu Diario de Lecturas. Após este primeiro encontro procurei-a por todo canto, com vontade de experimentar o mesmo prazer que Alberto. Encontrei-a em São Paulo, num sebo da praça João Mendes, mas só comecei a lê-la em Salvador, melhor, degustá-la.

Margaret tomou minha mão e conduziu-me por planícies geladas, verões com pouco sol, dias sombrios e neve; ela nem precisou dizer que esta era a substância que envolvia a todos e determinava algumas de suas narrativas. No Canadá neva, neva muito, tanto quanto aqui faz sol.

Mas ela me tocou de maneira diferente, a mim que vivo no sol constante. Mesmo diante de imagens nem um pouco próximas - de um povo que vive no gelo – descobri (mais uma vez) que somos os mesmos, que sofremos das mesmas angustias, que a humanidade é uma imensa repetição. Ou, talvez, a minha identificação revele que sou demasiado nórdico para os trópicos. Está explicado o calor que nunca me aquece.




1. ATWOOD, Margaret. A Tenda, tradução de Léa Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
2. MANGUEL, Alberto. Diario de Lecturas, tradução de José Luis López Muñoz. Madrid: Alianza Editorial, 2004.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Non-Sense

Extra!Extra! Nova vítima do desastre da TAM: ACM

Tabary

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Ela está dentro da pinacoteca. Mamilos róseos, pele mármore e boca vermelha. Seduzindo todos que passam. Ela imóvel. Nua, no canto de uma enorme sala, esfrega-se macia num pano. Todos querem ser o pano, experimentar o doce pêssego de sua pele, passar a língua em seu triângulo depilado. Sentei-me diante dela cansado e excitado, procurando disfarçar a excitação no programa. Olhos vidrados, imóveis diante da beleza. O segurança olha desconfiado: “Deve ser outro tarado”. A mão dentro das calças. Rápido, mais rápido, mais rápido. Meleira.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Pequena biografia de H.W

Poeta de ocasião
Cleptomaníaco de profissão
Construiu sua carreira
às custas de muita carteira

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Bissexual:

- Tô namorando o homem-aranha.


Por Carol Medrado

SEMGRAÇA

B. de Quatre



Muito obrigado amiga!Valeu por fazer a postagem por mim, estou tão ocupado. Hoje fui a um tatuador, fiz uma tatuagem de dragão e coloquei aquele piercing, lindo. Meu pinto agora tá cool. Vou arrasar no SEMCINE, que está mais para SEMGRAÇA.

Cara de Cool

Por B. de Quatre


Ai, gente, Salvador tá o maior frisson! Tudo por causa do III Seminário Internacional de Cinema (Semcine) que acontece essa semana. Todas as pessoas legais da cidade estavam lá (inclusive eu), se você não estava lá é porque não é legal. Tava lá a menina de cabelo vermelho e coturno, o menino de cabelo vermelho e tatuagem, a garota com brinco no nariz e tatuagem, a riponga, o menino de tatuagem e brinco no nariz, outra menina de cabelo vermelho e coturno, a garota de brinco no nariz cabelo vermelho coturno e tatuagem, o menino de cabelo comprido e coturno, outra riponga, outra menina de cabelo vermelho e tatuagem, outro menino de cabelo vermelho e piercing no nariz. Enfim, só a galera diferente. Tudo muito cooooooooool! Todo mundo com cara de cooool! E vocês sabem que eu adoro tudo que é coool! Confesso pra vocês que me senti perdido com meu pretinho básico. Acho que estou por fora, vou amanhã mesmo fazer minha tatuagem e colocar um piercing no nariz, ou talvez eu coloque no pinto, acho que fica mais diferente. Pra vocês que não foram ao Semcine e portanto não são coooooool, vou passar algumas dicas para que possam disfarçar e fingir uma cara de coool: compre roupas caríííííssimas na Cavalera, mas tatue na testa que odeia patricinhas e playboys, de preferência em inglês porque o português não é lá uma língua muito cool; faça carinha de nojo quando ouvir falar em pagode; ande com Nietzsche embaixo do braço, não precisa ler, não; seja comunista, mesmo morando na Graça, e assim você conseguirá ser o segundo comunista hype do mundo, já que a primeira é Juliana Cunha; pinte as unhas de preto; tenha um blog; franza o cenho quando ouvir a palavra arrocha, para ter cara de cool, quanto mais enrugado melhor; e por último, vá ao próximo Semcine, ou consiga uma pastinha do seminário para circular por aí. Eu já tenho a minha! Muito cooooool! Morram de inveja!

sábado, 7 de julho de 2007

Como manter a Classe no Ônibus Estação Pirajá

Por B. de Quatre



Oi, gente! Estou aqui de novo, só que dessa vez deixando as futilidades de lado e dando (ui!) a minha contribuição social. Consciência social está totalmente in, é a nova tendência para o verão. Comovido com aquela historinha fofa do beija-flor que tenta apagar o incêndio na floresta e percebendo o quanto fui favorecido pela natureza com graça e elegância, resolvi fazer a minha parte e ajudar os mais necessitados. Em primeira mão passarei para vocês algumas regrinhas de etiqueta. Se a Glórinha Kalil pode, eu também posso. Vamos começar falando sobre como manter a classe dentro do ônibus. O que fazer quando você está no fundo do ônibus Estação Pirajá lotado e tem que descer no próximo ponto? Nada justifica perder a classe mesmo nessa situação. Você conseguirá sair gloriosa, cheirosa e bem penteada dizendo: “com licença, por favor. Uma diva está passando”. Pode ter certeza que a passagem se abrirá para você como o Mar Vermelho. Afinal, todos respeitam e admiram uma diva. E o que fazer quando, ainda no ônibus Estação Pirajá, você está sendo espremida? Simples, diga: “por obséquio, você poderia se afastar um pouco? Você está amarrotando o meu Dior”. Eu garanto que a perua vai se afastar e ainda vai morrer de inveja. Como ser educado, nesse mesmo ônibus, se alguém ao seu lado está com braço levantado e tem uma catinga de matar? Proceda assim: “com licença, pude notar que o senhor não está devidamente desodorizado. Gostaria de passar um pouco do meu Chanel nº 5?”. (Sim, porque musa que é musa, sempre anda com seu Chanelllllll na bolsa). Além de você resolver o seu problema, você estará cometendo um ato de grande desprendimento e altruísmo e tornando o mundo mais cheiroso. E o que fazer se um big-afro-descendente enooooorme, forte, másculo e suado está o tempo todo se roçando em você? Ah, meu amor, como diria a chiquéééérrima Marta Suplicy: relaxe e goze!

Ps: No caso da última situação, eu recomendo que as mocinhas estejam usando um protetor diário. Vocês não querem sujar uma lingerie Victoria Secret, não é?

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Homem
Cansado
Da
Vida
Adota
Rainha
Em
Puteiro.

Encontro I

Lágrima escorrendo no rosto negro
quase branco fez o menino pensar se
não era sangue o que via. Tocou o Outro
no ombro: - Eu te amo.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Vivendo na Caixa de Skinner




Por Carol Medrado

Eles costumavam caminhar na orla de manhã cedinho. Roubaram seus celulares e suas carteiras. Passaram a andar de bicicleta no parque. Ele: levou uma paulada na cabeça. Eles: levaram suas bicicletas. Então passeavam com seu cachorrinho no bairro. Foram atacados por um Pit Bull. Desistiram disso também, contentavam-se em ir comprar pão na padaria da esquina. Foram ameaçados por um pivete. Hoje em dia, fazem compras pela Internet e pedem comida à domicílio. Pois é, Skinner, vivemos como ratos. Só nos resta a fuga e a esquiva.

UNI- DUNI- TÊ O ESCOLHIDO FOI VOCÊ / DÊ DESCARGA, POR FAVOR

Por B. de Quatre



Eu adoooooooro histórias de faz de conta! Outro dia me contaram uma tão legal! Mais ou menos assim: era uma vez um reino muito distante onde todas as pessoas viviam felizes e satisfeitas. Era tudo tão lindo! Como em todo reino, havia uma corte. Nessa corte, todo mundo era muito bonzinho, sempre preocupado com o bem estar social. E não poderia ser diferente já que eles tinham Deus no coração. É muito importante ter deus no coração! Nesse lugar o nome do deus era “Real”. A corte adorava o “Real” e em nome do deus eles realizavam sacrifícios humanos. Poxa, essa parte de matar gente não é legal. Coitadinhos! Fora isso, tudo era perfeito e fofo! A corte era tão boazinha que colocava uma musiquinha para as pessoas trabalharem, acho que era assim: lê, lê, lê, lê... Não conheço essa música, não, acho que é um mantra. Ai, eu também queria ouvir uma musiquinha enquanto trabalho, mas acho que eu prefiro um funk. Nesse reino existiam seres muito estranhos! A maioria tinha um só olho, no meio da testa, e andavam tão curvados que só conseguiam enxergar o próprio umbigo. Ai, que horror! Esse povo nunca ouviu falar em RPG? Isso causava alguns problemas: eles esbarravam uns nos outros e se pisavam. Mas ninguém ficava tristinho ou reclamava já que essa era uma prática cultural muito difundida. Outros andavam com a cabeça voltada para cima o que lhes permitia ver as estrelas e achar algumas teias de aranha no teto. Esses acabavam caindo nas fossas, às vezes nunca saiam. O mais legal nesse reino é que todo mundo era igual! Ricos ou pobres todos andavam sempre bem vestidos, com roupas de marca, perfumados e com os cabelos lisinhos! Ai, que inveja! Não era farda, não, mas os homens estavam sempre de bermuda de surfista, camiseta, tênis de marca e o mais importante do vestuário: um caderno embaixo do braço. Essa peça eu realmente não entendo, compromete todo o figurino! Estudar está tão fora de moda! Nesse reino então... Ai, as mulheres eram um luxo! Usavam salto, sempre estavam muito maquiadas, usavam tanto perfume que parecia até que era o cheiro do ambiente (acho que era para isso mesmo, o negócio fedia!). Também havia uma língua própria, para não complicar, o vocabulário era escasso, basicamente: saca, brother?; tá ligado?; é nenhuma; é barril; de fudê; tipo assim e etc ( o etcétera eles não usavam, não, acho que eles nunca nem ouviram falar nisso, fui eu que coloquei para dizer que têm mais palavras). Ai, gente, infelizmente essa história não tem fim. O que eu sei é que correm muitos boatos sobre ela por aí. Tem gente que faz de conta que esse reino é de verdade e comenta que por lá só tem merda. Eu, particularmente, acho isso um absurdo! Afinal, todo mundo pode ter problemas com a privada.

Rodando II

O mini conto UIVO foi publicado no site Usina das Palavras, clique aqui e leia! O Cão, também foi convidado para latir no blog Contos de Cinco Palavras, clique aqui e veja!

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Giselia

Por Carol Medrado


Ela estava relendo o “Cem Anos de Solidão”. Era a história de realismo mágico que ela mais gostava. Era a sua favorita entre todo o resto. A outra, a avó, gostava de ler a sinopse das novelas na Revista da TV. Lia devagarzinho, com dificuldade porque mal tinha conseguido alisar o banco da ciência. A neta às vezes se oferecia para ler, ela rejeitava a oferta. Ela era pequenina. A outra, a neta, era uma vara de tirar caju. Quando ia beijar a avó tinha que se abaixar para beijar seus cabelos. A avó era alegre, jovem. A neta era enfezada, velha. A avó sambava no meio da roda. A outra ficava de braços cruzados: “Descruza esses braços, menina! Braço cruzado é sinal de tristeza!” a avó dizia. A avó era ativa. A neta, uma dorminhoca. A avó adorava contar histórias: ninho de rato em cabelo de mulher, lagartixa que mamava em seio de mulher parida. Quando alguém contestava a veracidade dos “causos” ela soltava uma gargalhada. A neta adorava essas histórias. Eram as histórias de realismo mágico que ela mais gostava. Um dia a avó adoeceu. Não sambava mais, não sorria mais, não brincava mais, não lia a Revista da TV. Só dormia. Virou a neta. A neta ia visitá-la. Entrava no elevador, apertava o botão com o número três. Entrava no quarto com o “Cem Anos de Solidão” embaixo do braço. A avó estava lá, sentadinha na poltrona, elas conversavam um pouco. Entrava no elevador, apertava o botão de número dois. Entrava no quarto com o livro embaixo do braço. A avó estava deitadinha na cama, às vezes ela acordava, mas elas não podiam mais conversar. Entrava no elevador, apertava o número um. Entrava no quarto, o livro embaixo do braço. A avó, ainda deitadinha na cama, vários aparelhos invadindo o seu corpo. Impedindo ela de sorrir, de falar, de dançar... necessidades vitais. Fazendo ela respirar, se alimentar, evacuar... necessidades vitais. Entrava no elevador, número zero. Ela e o livro. A avó estava sentada na cama, sorria, chamava ela para brincar de capitão, reclamava com ela porque usava calças que mostravam a virilha, dizia: “Você até que está mais gordinha”. Levantava da cama e as duas saiam de mãos dadas do hospital. Era a sua favorita entre todo o resto. Essa era a história de realismo mágico que ela mais gostava....

Uivo

Por Rodrigo Lopez-Balthar


Algemada ela parou de gritar, bicho acuado, sabe quando perde. Os piercings pendem nos mamilos. O cabelo: crina de cavalo. A tatuagem malfeita anuncia a bunda, quem quer comer? A saia, pedaço de pano, não esconde a outra boca. Cospe. Nojenta. Uma cicatriz no braço, marcas de injeção. Roxa. Olhos de cadela raivosa, falam sozinhos, não precisam de dublagem. As mãos, pergaminho e veias, pressionam a madeira da cama. Força. Tobogã. Ela se prepara, contrai a bunda. Medo, apesar do costume. Terceiro Olho aberto. Uivo.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Até o chão, mamãe!

Por Carol Medrado

Era mais uma fantástica manhã de sol em Salvador, Bahia, terra do axé, do carnaval, da água de coco, da eterna alegria e de mentes criativas que se superam a cada carnaval criando hits como: “só as cabeças, só as cabecinhas...”. Enfim, ela estava no paraíso. Sua vida ia bem, ela era uma grande advogada, ganhava muito dinheiro, tinha um marido gostosão, uma casa de frente para o mar e podia escolher em que bloco iria sair no carnaval. Geralmente era no Camaleão. Sua vida era perfeita. Mesmo assim, em uma fantástica manhã de sol em Salvador, ela decidiu se suicidar. Estava no trabalho, ia ser ali mesmo, do alto do prédio de trinta andares. Jogou-se.

Tão rápido quanto a queda, surgiu o seu arrependimento.
Pensou no caso importante em que tinha que trabalhar.
Arrependeu-se.
Lembrou que era pecado atentar contra a própria vida.
Arrependeu-se.
Pensou no seu abadá do Camaleão já pago.
Quanto arrependimento!
Lembrou da sua casa maravilhosa.
Arrependimento.
Da sua beleza e juventude.
Arrependimento.
Do seu dinheiro.
Arrependimento.
Salvador.
Arrependimento.
Chiclete com Banana.
“Meu Deus, o que é que eu fiz!?”
Carnaval.
“Socorro, Socorro!!!!!!”
“Já era, já era, já era, agora eu amo Daniela, já era...”
“Não quero morrer!”
“Passou a língua, tem que provar, na língua do negão, ajoelhou tem que rezar...”
“Pai nosso que estais no céu...”
“Voa, voa, vem direto pro meus braços...”
“Santificado seja o vosso nome...”
“Paula dentro, Paula fora, Paula deixe de história...”
“Deus, me salva!”
“Quer ir embora vai, adeus, bye, bye...”
“Um milagre, por favor!”
“Swingão, swingão, swingão, vai até o chão...”
Plaft!

Imediatamente sua alma foi levada por diabinhos de bandana que cantavam: “Tra, tra, ela tá toda metralhada...”. Sorriu: sua alma estava em paz.

Efusão I

Por Rodrigo Lopez-Balthar
a Doumbia
Ela disse pra ele “Estou grávida”. Nem respondeu, ficou olhando a parede, a vida tinha acabado. Num outro momento ela disse “Sou rica”. Um sorriso apareceu no canto da boca. Ele pensou num Big Mac, tirando o pickles é gostoso. Talvez um aborto. Ela lhe mostrou uma foto, a barriga aparecendo, um sorriso grande. Ele continuou pensando no pickles.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Eu quero ser Marieta!


Por B. de Quatre



Ai, gente, eu adoooooro poesia! Outro dia eu achei na estante de papai um livro que é simplesmente ma-ra-vi-lho-s-o! Até agora os meus pêlos de ursinho de pelúcia estão eriçados! Eu até chorei! Eu adoro coisas assim que toquem profundamente no meu ser, que me preencham. Ai, meu Deus! Vocês precisam ler Meu Mundo Criança! Como não se comover com versos como: “Marieta mamão/ Marieta melão/ Melodia melada/ Meia-volta menina”. Ai, acho que vou começar a chorar de novo.... Embora Marieta seja a minha poesia favorita, eu não a recomendaria para crianças, acho que tem uma conotação sexual muito forte, a linguagem realmente é muito plurissignificativa, essa melança toda e esse negócio de meia-volta. Acho que daria um bom funk. Ai, gente, eu também adooooooro funk! Algumas poesias me lembraram A Arca de Noé de Vinicius de Moraes (pra vocês verem o quanto o livro é bom!) como: O Vôo das Borboletas e Lá Vem. Um trechinho de Lá Vem pra vocês: “Lá vem o pato/ Todo leve e sorrateiro/ Lá vem o ganso/ procurando o tempo inteiro/ Lá vem o tigre/ sempre forte e bem voraz”. Vem ganso, vem pato, vem tigrão voraz, tô esperando todos vocês. Desculpem, eu me empolguei. É muuuuuuuuuito difícil escolher a favorita, eu também adoro Serelepe Saci: “Vem, vem bem de mansinho/ Chega e entra sem pedir/ Vai mexendo, vai brincando/ E o tempo vai passando”. Ai, eu quero esse Saci pra mim! As ilustrações também são um luxo! Me lembram tanto a minha infância... os desenhos que fazia quando tinha dois anos de idade... bons tempos aqueles que eu brincava com a mangueira, ops!, na mangueira. Me diverti tanto colorindo os desenhos, que fofo! Ai, quando eu crescer eu também quero ser um grande escritor, ter meu rostinho dentro de uma estrelinha e ser um imortal da Academia Brasileira de Letras! Que luxo! Purpurina pura!

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Rodando

Nova versão de O gráfico em Planeta Literatura. Clique aqui e leia!

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Obituário de Rodrigo Matos

Por Rodrigo Lopez-Balthar


O que é falar da morte? Da morte de alguém próximo? Um obituário. Mas era eu. Nós. Nós somos o mesmo dividindo um corpo, porém diferentes. Um morto. Outro vivo. Não havia escapatória, sua morte foi apenas uma questão de tempo, aliado a alguns fatores pouco importantes como a sua completa falta de criatividade. Não foi fácil ver o cadáver de mim-mesmo caído ao meu lado, mas em algum momento ia acontecer, eu disse a ele, "a hermenêutica mata!", mas o intelectual nem se abalou e continuou gadameriando, heideggeriando e schleiermacheriando como se estas drogas não tivessem o efeito corrosivo, já conhecido por todos os filósofos: interpretose. Ele foi e não há mais lugar para um retorno. Ocupei o resto do apartamento.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

EX ou A Mãe dele disse que ele era bom e todo mundo acreditou (menos eu)

Por Carol Medrado



Bem, Santiago Nazarian, eu não te conheço e é por isso mesmo que eu vou falar mal do seu livro, se você não gostar, manda Thomas vir brigar comigo.
Era uma vez um livro chamado Olívio que começa bem, mas o final não é feliz (não mesmo!). Conta a história de Olívio, um cara que todo dia faz tudo sempre igual e é feliz assim (qual o problema nisso?). Ele tem uma noiva, um emprego que o sustenta, um apartamento, um irmão gay, alguém para lavar suas roupas sujas.... tudo perfeito. Depois de duas broxadas a vida dele começa a perder o rumo. Perde a noiva, falta ao emprego e nesse seu dia de ócio resolve tomar as rédeas de sua vida e ir atrás da noiva. Mas ele já está perdido. Perdido! Não consegue achar o trabalho da noiva e fica vagando pela cidade, vai até a casa do irmão (que nunca havia visitado), vai a um cinema pornô (algo que nunca havia feito) e acaba parando num prostíbulo, experimentando algo que nunca havia provado. No prostíbulo ele conhece um cara, Thomas, e á a partir daí que a história também se perde. Começa a história de um ex-livro bom, passou.... perdeu a mão.... mas não sei se vai deixar marcas. Thomas, você estragou tudo! Enfim, já tatuou, o livro já ta aí, não dá mais para apagar. Continuando a história... Olívio vai para casa de Thomas com duas prostitutas, na manhã seguinte ele descobre que suas roupas estão molhadas porque a prostituta que estava com ele se matou de overdose usando suas roupas que acabaram ficando manchadas de sangue (se alguém entendeu essa, me explica, por favor!). E Olívio continua se perdendo: não tem mais roupa seca, não tem mais chave de casa e quase já não há mais Olívio, há um ex-Olívio. Ele passa a experimentar um outro lado de si mesmo, um outro lado da vida e apesar da sua angústia inicial, ele acaba se rendendo, aceitando vagar pela cidade ao invés de chamar um chaveiro para a abrir a sua porta. Na tentativa de entender melhor a loucura em que se meteu, ele volta a fazer o percurso por onde passou: volta ao cinema pornô e não entende nada; volta à casa do irmão e não entende nada; volta ao prostíbulo e não entende nada; volta à casa de Thomas e não entende nada. Volta tudo.... e nada... As pessoas são e não são, ele já não sabe onde está.... passou, perdeu a mão.... ex.... Essas voltas também estragam tudo, se eu fosse Olívio (ou Thomas) não daria tantas voltas assim, todo mundo acaba ficando tonto no final. Nessas voltas ele descobre que o irmão conhece Thomas que conhece uma vizinha de Olívio, que indicou a lavadeira de Olívio a Thomas. E tudo continua girando...Voltando ao prostíbulo o autor se perde em rimas injustificáveis, esse capítulo é chatíssimo, quase pulei ele. Quando volta à casa de Thomas é pior ainda. Thomas começa a passar um sermão ridículo em Olívio e o capítulo todo parece uma tentativa de Nazarian de se proteger das críticas, já que Thomas é escritor e começa se defender das ofensas de Olívio a sua literatura. Thomas é um personagem extremamente forçado, não funciona, não seria egolatria demais? Tudo isso para no final Olívio descer do carrossel e voltar com noiva, voltar para o apartamento, voltar para o emprego e para suas roupas limpas. Enfim, já tatuou, não dá mais para apagar. Ex.



NAZARIAN, Santiago. Olívio. São Paulo: Talento, 2003

terça-feira, 26 de junho de 2007

Para aqueles que não fazem a palavra rodar: Máquina de Pinball

Por Carol Medrado



Para mim, o grande erro que grande parte dos jovens escritores cometem é serem pretensiosos demais, acham que são o máximo, que seus textos vão mudar o mundo ou que serão (ou são) o mais novo fenômeno literário. Confesso que quando peguei o livro de Clarah Averbuck pra ler, achei que ela era mais um desses jovenzinhos pedantes e que o livro seria um culto ao seu próprio ego. Quebrei a cara. Essa garota é inteligente e corajosa e trata em seu livro de questões que atormentam todos os jovens como a falta de dinheiro, desemprego e os problemas amorosos. Se não é uma autobiografia poderia ser uma biografia da grande maioria dos jovens. Mas cabe aqui um aviso: não é um livro para quem sinta ânsia ao pensar em engolir esperma ou para quem ruboriza ao ler a palavra cú. Eu não vejo mal nenhum nisso, acho que todas as palavras cabem na boca e no papel e acredito que a literatura é uma realidade, onde as pessoas cagam, mijam, ficam bêbadas, passam um vexame e engolem porra docinha. Quem se assusta com as nuances da realidade passe longe daqui, vá ler José de Alencar. Eu, que não sou esquizofrênica e tenho os dois pés na realidade, digo: Salve Bukowski e salve os jovens que ainda correm o risco de pensar!



Resenha de AVERBUCK, Clarah. Máquina de Pinball. São Paulo: Conrad, 2002.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Timoleon Vieta, um outro cão


Por Carol Medrado



Dan Rhodes tem sido muito elogiado na Inglaterra, destacando-se como um dos mais novos talentos da literatura britânica o que, na minha opinião, não é à toa. Li o livro Timoleon Vieta ... em três dias e confesso que foi duro me despedir do personagem de olhos dóceis.Timoleon Vieta foi meu amigo por três dias. Timoleon Vieta é um cão vira-lata como todos os outros cães vira-latas, exceto pelos seus olhos tocantes, o que acaba fazendo com que penetre na vida das pessoas, mesmo que por um curto espaço de tempo e, no entanto, deixa marcas. O cãozinho pertence a Cockroft, um compositor britânico fracassado cuja maior diversão é receber “amigos desconhecidos” em sua casa. É recebendo um desses “amigos”, o Bósnio, que ele se vê num impasse entre o cão e a visita: os dois se odeiam e seu amigo impõe uma escolha. Cockroft, angustiado pela solidão iminente, escolhe o Bósnio e resolve abandonar seu companheiro de tantos anos em frente a Torre de Pisa. A partir daí o livro se assemelha com tantas histórias da sessão da tarde de cachorrinhos perdidos que voltam para casa, mas o livro não deve ser subestimado por isso. Nessa jornada de Timoleon Vieta para casa, acabamos adentrando na vida de inúmeros personagens que têm suas histórias descritas no livro como pequenos contos. O livro em alguns momentos exagera no sentimentalismo, mas acredito que essa seja a intenção do autor, como é explicitado no título. O interessante é perceber o impacto que a existência desse cãozinho acaba tendo na vida dos personagens e o afeto que acaba nutrindo em todos eles. Afinal ele é só um cão (como se isso fosse pouco) e não pode fazer nada além de balançar seu rabo e olhá-los como seus olhos maravilhosos e isso é o suficiente para aplacar a dor de alguns personagens. Isso deixa evidente que muito mais do que a história de um cachorro que tenta voltar para casa, o livro é a história do amor em seus múltiplos desdobramentos como o abandono, a solidão, a lealdade e a perda. É impossível até mesmo para o leitor não ser tocado pelo personagem. Acho que vou passar um bom tempo olhando os vira-latas de rua de maneira diferente: os olhos de Timoleon Vieta também deixaram marcas na minha vida.




Resenha de RODHES, Dan. Timoleon Vieta volta para casa: uma viagem sentimental, tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

terça-feira, 19 de junho de 2007

Liza Parkinson


Gente! Que luxo, Liza Minelli no Brasil. Recado de diva é recado de diva. Ela descobriu o segredo da vida, nunca parar, sempre se mexer. Deveriam criar pílulas de Parkinson, todo mundo ficaria feliz.
B. de Quatre
Ps. Nosso editor anda muito chato, isto aqui é para ser um espaço crítico, não uma terapia de mestrando angustiado, nem sei como as pessoas ainda perdem seu tempo para lê-lo.

sábado, 16 de junho de 2007

Minha História de Leitura

Como não tenho mais tempo para a literatura e me prostituo lá no mestrado, vejam que não me corrompo com facilidade e aproveito institucionalmente para viver escrevendo, já que nem tempo pra ler eu tenho. Acreditem, isto fará parte de um capítulo de minha dissertação. Faltam as notas, mas como vocês não são uma banca examinadora, que se danem!


Rodrigo Matos




Escrever este texto passa necessariamente por contar como se iniciou a minha história com os livros, pois não se trata apenas de um exercício dissertativo para cumprimento de créditos do mestrado, mas de uma atividade que se confunde com a minha existência e, hoje em dia, é também, alvo de minhas investigações monográficas.
Fui alfabetizado muito cedo, aos três anos já sabia ler e aos quatro escrever. O aprendizado precoce das letras se deu por necessidade, já que não queria mais apanhar. Uma tia era responsável pelo ensino das minhas primeiras letras, e fui sua cobaia em experimentos pouco ortodoxos, no que se trata de pratica de ensino-aprendizagem da lecto-escrita. Ela utilizava o método “colher-de-pau”, que consistia em atividades diárias assistidas por uma colher-de-pau, que ao menor vacilo era prontamente arremessada contra as minhas mãos. Eu tinha que saber as respostas para as perguntas, pois para minha tia o núcleo central de seu método revolucionário era constituído pela máxima “é inconcebível que uma pessoa que saiba falar não saber ler e escrever”, atividades naturalmente complementares aos olhos dela. Dessa maneira aprendi rapidamente a ler e aos quatro anos lia perfeitamente (sem titubear) qualquer coisa que passasse pelos meus olhos.
Num dia de visita materna (eu era criado pela minha avó, sob supervisão atenta de minha tia estudante de magistério) algo de diferente assomava das sacolas de minha mãe, que costumeiramente eram reviradas por mim assim que ela chegava. Era um livro de capa azul, com bordas picotadas de um autor que nunca mais me esqueci o nome (me esforçava com certo orgulho para pronunciá-lo), Hans Christian Andersen, que contava a história de um imperador encantado pela beleza do canto de um rouxinol .
Este primeiro contato ficou registrado no arquivo de minhas memórias como o primeiro encontro com um livro, mas principalmente se refere à posse, era o meu primeiro livro. Carreguei-o por muito tempo até perdê-lo deliberadamente num daqueles momentos de conflito adolescente.
Ainda em Jacobina (era lá a casa da minha avó) desenvolvi o hábito de ler revistinhas em quadrinhos: Luluzinha, Bolinha, Mônica e Cia foram os primeiros amigos que encontrei em uma banquinha de revista - nas cidades do interior da Bahia (fato que pode se estender para inúmeras regiões do Brasil) as bancas de revistas são o único contado com a produção editorial do país, em algumas localidades são os únicos elos com o mundo escrito.
Depois do hábito adquirido foi apenas uma questão de tempo aliado a um certo encantamento em relação à imagem do intelectual para que a leitura assumisse para mim o papel de atividade essencial e os livros objeto de consumo constante. No dia em que parti para a capital do estado trazia Andersen e Luluzinha comigo, como germes da voracidade leitora que ainda estava por vir.
Ao acordar no apartamento de minha mãe em Salvador fui tomado de assalto pela sensualidade da TV, pelos apelos do consumo da classe média e a leitura foi esmagada pela Tia Arilma, Lojas Sandiz, Balão Mágico, Wells Burger, Lucinha Lins, “Eu sou negão, meu coração é a Liberdade” e os finais de semana em Patamares. Mas como uma provocação do destino, algo de inesperado me aguardava: a minha primeira leitura adulta, que me jogou de vez no universo que se organiza em ordem alfabética. Helen G. White me provocou numa tarde pouco produtiva do verão de 1987, quando o encontrei dentro de um armário no gabinete do apartamento. Ironicamente foi a leitura de A vida de Jesus Cristo, escrita por uma autora fundamentalista cristã, que me conduziu para a condição de leitor, pois que não é dado ao leitor de quadrinhos, principalmente o infantil, este status. Foi assim que percebeu uma amiga de minha mãe, que já tinha me visto em vários momentos lendo gibis e outras publicações menos nobres, assustou-se dizendo “Ele está lendo um livro!”. Durante muito tempo este foi o único livro que li.
Foi para não ficar fora de um grupo de amigos voltei a ler. Em 1989 um colega me apresentou um outro universo de leitura: as revistinhas de super-heróis. Até então tinha olhado tal material com desdém, nunca tinha me dado ao trabalho de folheá-las, mas ao encontrar um extenso grupo de garotos de minha mesma faixa etária leitores dos quadrinhos da DC e Marvel Comics . Fui mordido pelo “bicho” da leitura e passei mensalmente a devorar todas as publicações do gênero. Esta foi a minha primeira experiência de leitura voraz, pois não consumia apenas as publicações do mês, comprava exemplares de anos passados, o que acabou me levando a ter contato com outro ambiente que passou a fazer parte da minha vida, os sebos.
Foi em busca de revistas da Força Psi que entrei pela primeira vez num sebo, o Brandão. Foi uma experiência inesquecível! As prateleiras pareciam que iam me engolir, tão altas que eram, mas o mais importante era a descoberta de que poderia ler muito mais pagando muito menos. Borges imaginava que o paraíso seria como uma biblioteca (Manguel, 2006, p.156), mas para mim que não estava – nem estou – preocupado com o paraíso, o sebo se converteu em universo particular, local onde poderia encontrar toda uma constelação de heróis, bastando para isso desembolsar alguns poucos cruzeiros. Fiz dele o meu trunfo secreto, aumentava rapidamente minha coleção e minha cultura gibizesca, para desespero dos amigos. Quando sabia da existência de mais um guardava o segredo e corria para o sebo como Carlos Drummond de Andrade, para quem o sebo é a verdadeira democracia, para não dizer: uma igreja de todos os santos, inclusive os demônios, confraternizados e humildes (2004, p.19). Foi também apenas uma questão de tempo para converter este espaço em meu ambiente predileto para garimpar livros, em substituição aos quadrinhos.
Por volta dos dez anos comecei a desenvolver um certo encantamento pela imagem do intelectual, para ser mais preciso, fui seduzido pela imagem de um homem/mulher que dialoga com as mais variadas referências, fazendo-as parte da constituição de si mesmo. Os usos inteligentes e sagazes dos objetos de leitura por parte de algumas figuras iluminadas, como Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony, Jorge Amado e Glauber Rocha me fizeram admirar qualquer um que aparecesse na televisão ostentando uma estante às costas, bem como, qualquer um que se portasse dignamente na condução de um discurso; isso me provocava inveja, eu queria ser como aqueles homens, ser reconhecido pela “posse” do conhecimento.
O plano Collor me fez sentir a dureza da pobreza, mal que nos acometeu – a mim e a minha mãe – repentinamente, sem nenhum aviso, exceto, obviamente, pelo pronunciamento da excelentíssima ministra da economia Zélia Cardoso de Melo. Tive de dar adeus as revistinhas, ao apartamento em bairro de classe média alta, aos hambúrgueres da McDonalds, às boas roupas caras, enfim, ao dinheiro. Quando achava que nada podia ser pior fui parar em um bairro pobre, cuja biblioteca mais perto estava a uns quatorze quilômetros de distância.
Minhas revistinhas cumpriram o destino que aguarda em algum momento o acervo de um leitor pobre: converteu-se em dinheiro em uma banca-sebo do centro da cidade. A falta de dinheiro, de certa maneira, levou-me até os livros e ao contato com leitores, indivíduos curiosos, que sempre estão à procura de outros de sua espécie.
Sem dinheiro para comprar revistas precisava encontrar outro espaço onde pudesse suprir a minha necessidade de ler. A biblioteca da escola foi um dos primeiros locais onde passei a exercitar o meu hábito de leitura e, principalmente, a arte de roubar livros em bibliotecas e sebos, que abasteceu o inicio de minha primeira biblioteca. Além disso, a leitura se tornou um hábito de fato e, portanto, nem se eu fosse o Arsèné Lupin conseguiria “adquirir” todos os livros que a minha sede demandava, foi nesse momento que encontrei uma galera estranha, muito estranha.
De inicio todos os jovens se parecem, mas basta uma olhada atenta para perceber que para o grupo social denominado “jovem” existe uma variação conceitual imensa. Dentro dessa variação aos 12 anos eu era jovem, o que significava dizer: cabeludo, gostava de rock dos anos sessenta e setenta, não falava com ninguém que ouvisse pagode, musica sertaneja, axé music ou qualquer outro gênero musical mais popular, somente usava roupas escuras, de preferência pretas, rejeitava totalmente as convenções sociais, principalmente a família, detestava a escola e lia Kafka, Roberto Freire e Herman Hesse. O mais estranho é que não era o único. No bairro em que fui morar – de hábitos completamente avessos aos meus – encontrei rapidamente um grupo de jovens como eu, que gostavam de Janis Joplin e devoravam livros aos montes (até hoje não sei se era verdade ou mentira de meus amigos, mas foi a rapidez com que liam que me fizeram desenvolver a capacidade de ler rapidamente um livro, de quarenta a cinqüenta páginas por hora, quando sou arrebatado pela leitura).
Estes amigos me fizeram reencontrar um ambiente cultural muito importante para a minha infância (passei muitos fins de tarde com a minha mãe no café, que hoje leva a alcunha de Goethe), o Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA). Lá encontrei o bibliotecário que milita em prol do não contato com os livros da instituição, cujo sonho inconfessável – assim pensam vários freqüentadores da biblioteca – é a transformação dos livros da biblioteca em acervo pessoal. Foi nessa biblioteca, apesar da cara feia do alemão de Feira de Santana, que vivi dos 13 aos 23 anos.
Fiz deste espaço um local de visita periódica, todas as minhas tarde após o colégio eram passadas no ICBA, à espera de mais um número da Deutschland, Humboldt ou Kulturchronik ; assistindo a vídeos sobre o holocausto; filmes de Win Wenders ou Herzog; ouvindo Wagner ou Jazz teutônico; mas principalmente discutindo com o grupo de amigos que agora era mais extenso, pois agregavam todos aqueles que não tocavam tambor, não achavam a menor graça balançar a bunda em público nem achavam o ensaio do Olodum a melhor representação de sua identidade, ou seja, os excluídos da “baianidade”.
Foi nesse momento que teve inicio a minha segunda febre leitora, que me contagiou ao conversar com um amigo sobre anarquismo. Passei então a procurar por livros relacionados à temática, autores que soavam aos livreiros como um xingamento. Bakunin, Kropotkin, Malatesta, Stierne, Goldman, Tolstoi, Makno, Oiticica, Cuberos entre outros eram carregados por mim onde quer que estivesse e começaram a se avolumar em cima de minha cômoda, dividindo espaço com os livros que já tinha. Foi interessante perceber o encantamento de um amigo revolucionário de cidade do interior ao entrar em meu quarto e perceber que tinha umas pilhas consideráveis de livros, dignas de serem consideradas objeto de expropriação; tive de lhe explicar que não era burguês e que aquele material em grande parte tinha sido fruto de ação direta expropriadora dos centros de cultura burguesa. Safei-me bem dessa.
Lendo livros anarquistas e afins declarei-me emancipado aos quinze anos e me mandei para São Paulo disposto a nunca mais voltar. Seis meses depois estava em Salvador, abandonei a escola, local onde nunca fui compreendido e me mandei para Aracaju disposto a encontrar um amigo de João Pessoa que tinha decidido ir para o Rio de Janeiro e depois para a Europa. Pensei em acompanhá-lo, mas a única coisa que consegui foi perder a namorada para ele, o que hoje vejo que como um alívio me pareceu o fim do mundo naquele momento e acabei encontrando no desespero a minha nova febre leitora: a filosofia.
A releitura de Nietzsche (já o havia lido antes, mas não o tinha compreendido, o que o sofrimento não faz!) me fez suportar o tormento amoroso e me conduziu literalmente para o encontro de novos amigos. Schopenhauer, Cioran, Sartre, Merleau-Ponty e Platão me fizeram esquecer todos os amores perdidos e as crenças ideológicas que carregava. Descobri que a vida era um tormento, que o suicídio era uma opção para os fracos e suportar a dor de acordar diariamente era uma virtude dos fortes. Tornei-me pessimista e cínico. Passei mais dois anos lendo tudo que pude encontrar sob a catalogação de filosofia, desprezando todo o resto e todos, principalmente os acadêmicos, que aos meus olhos pareciam baratas incultas alucinadas com Detefonä. Troquei todos os meus livros anarquistas e de literatura por obras filosóficas, foi assim que perdi a minha segunda biblioteca.
Aos 17 anos resolvi voltar para a escola para ter uma titulação que me permitisse trabalhar em algo minimamente digno. Arrumei emprego e comecei a juntar dinheiro para viajar, fazer “mochilão” pela Europa e se possível nunca mais voltar para o Brasil. Um dia ao voltar do trabalho entrei no sebo Graúna e revirando a pilha de 1R$ encontrei o Sidarta de Herman Hesse; fui mordido por uma quarta febre de leitura: a literatura.
Este lugar não me era novo, mas nunca tinha sido alvo prioritário de meus investimentos em leitura. Passou desde então a receber prioridade nas minhas aquisições. Sidarta me mostrou que a literatura, como a leitura panfletária anarquista e filosófica, era mais uma maneira de ver o mundo. Mergulhei fundo na leitura literária sem dar brechas a esquecimentos, tentava me lembrar de todos os autores de romances, contos, novelas e poesias que tinha encontrado até então para formar um repertório a ser (re)encontrado e me pus a garimpar diariamente o Graúna em busca de tudo e que conhecia, mas, principalmente, buscava os autores que não conhecia. Houve uma diferença desta febre para as outras, já que esta não foi uma contaminação substitutiva, muito pelo contrário, fez-me mergulhar mais fundo ainda na filosofia e perceber como em momentos distintos e em lugares distantes a literatura e a filosofia dialogam sempre .
Passei a ser freqüentador assíduo dos sebos e livrarias da cidade. Retornei ao Brandão, desta vez já na condição de leitor literário; conheci os sebos de Henrique Wagner, sempre itinerantes; fazia point na Civilização Brasileira da Av. Sete de Setembro, grande loja de saldão da rede de livrarias; vi o Graúna mudar três vezes de endereço; inaugurei alguns e fechei as portas de muitos. A leitura tomou para mim ares de militância, porém sem o proselitismo tão comum daqueles que acreditam terem encontrado a verdade. A literatura me ensinou que isto não existe. Lia tão vorazmente que cheguei a ler 100 livros em três meses e em poucos anos numa contabilidade pouco ortodoxa já tinha ultrapassado com uma folga imensa o milhar.
Depois de alguns anos juntando dinheiro não consegui viajar pelo mundo afora, por causa das constantes desvalorizações do dólar em 1999 e aos 20 anos decidi que investiria o meu dinheiro numa coisa até então execrada por mim. Decidi que faria um curso de graduação em uma universidade. Qual? Isto não importava muito desde que em ciências humanas e em uma universidade pública. As viagens ficariam por conta das leituras.
Fiz vestibular para história duas vezes e perdi. Na terceira vez resolvi fazer em várias instituições e para outros cursos. Fui aprovado em história, pedagogia, psicologia e literatura hispânica na Espanha. Escolhi pedagogia, porque era à noite e não teria que me mudar de cidade nem de continente.
Antes de ir para o meu primeiro dia de aula um amigo me advertiu de uma prática muito comum na academia, a perseguição; fui recomendado a não ser brilhante, resumindo, ele me pediu que não demonstrasse a minha cultura sob pena de ser violentamente atacado, principalmente pelos professores. Não dei tanta importância a esta advertência, mas me coloquei em alerta. Não demorou muito para que experimentasse a hostilidade, primeiro de um grupo de colegas, seguido pelo ódio mortal que despertei em alguns professores, que não entendiam o fato de que só estava querendo ajudar, preferindo interpretar minhas intervenções como tentativas de desestabiliza-los perante a classe.
Minhas leituras neste período foram extensas; aproveitei para mergulhar fundo na epistemologia e mais ainda na literatura, mas não me furtava a nenhuma leitura, exceto àquelas indicadas pelos professores, que em sua grande maioria não passavam de textos secundários ou livros de resumos de idéias dos outros, cujo maior mérito – resguardando algumas exceções – está nas referências que estes apresentam ao fim do livro. Perscrutava a biblioteca central da UNEB e as livrarias em busca de Deleuze, Guattari, Foucault, Derrida, Bachelard, Baudrillard e muitos outros que os professores não indicam aos seus alunos por receio destes tomarem precocemente as suas vagas no Olimpo da universidade, assim creio eu. Foi na faculdade que conheci pela primeira vez a mesquinhez intelectual.
Mas como em toda regra há exceções, encontrei lá também gente disposta a dialogar e pronta para ouvir, tratando com seriedade as suas inquietações. Foi um desses contatos que me levou para dentro do meu objeto de estudo dissertativo, o RODAPALAVRA .
Como já estava batizado pelo mundo acadêmico tratei de não expor mais os meus conhecimentos para não bater de frente com nenhum professor, cuja auto-estima não estivesse no melhor das formas. Ficava calado até ser solicitado, sendo chamado não me restava outra opção, pois não sabia ser medíocre. Numa certa manhã fui interpelado por uma professora com quem cursava matéria optativa em turno oposto ao meu para cumprir logo créditos futuros, que me perguntava por que não fazia Letras Vernáculas ao invés de Pedagogia, de pronto respondi que não fazia tal curso, pois não gostaria de estudar a literatura de uma maneira engessada em categorizações esdrúxulas, do tipo que se encontra na historiografia literária. Despedimos-nos, acabei desistindo de sua matéria por conta de trabalho, até que num encontro futuro fui convidado por ela para ingressar em um grupo que promoveria sessões de leitura e contações de histórias para crianças de um hospital. Topei na hora.
Esta atividade acabou sendo a minha válvula de escape em um ambiente totalmente hostil a minha condição de leitor: o curso de pedagogia. Fiz desta atividade de extensão a minha verdadeira graduação. Para terminar o curso fui obrigado mais uma vez a me desfazer de minha biblioteca - por não contar mais com a poupança do “mochilão” frustrado, que me sustentou nos primeiros anos de faculdade, nem ter um trabalho que me rendesse um soldo digno – para conseguir dinheiro que possibilitasse a minha freqüência nos últimos semestres do curso e a compra dos livros para tessitura de minha monografia. Terminei a graduação, comecei uma especialização infrutífera, fui cuidar de minha vida e ler as coisas que tinha deixado de lado nos anos em que cursava a faculdade, até que soube das futuras inscrições para um curso de Mestrado em Estudo de Linguagens e pensei se não seria a hora de voltar meus estudos para algo que realmente gostasse e tivesse uma relação intrínseca com o meu percurso intelectual? Percebi a oportunidade e abri os livros.
Transformei o grupo que participo em objeto de investigação, mas, mais do que isso fiz de com que a minha experiência com a leitura finalmente encontrasse leitores atentos, encontrei interlocutores dentro universidade, experiência nova para mim. Este trabalho, que poderia ter um caráter frio e impessoal, tratando a leitura apenas como um dado, converteu-se em algo que dialoga intencionalmente com os sentimentos e as emoções, pois ele tem muito daquilo que sou, como você pode ler.