quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Tombo do Navio

Por Carol Medrado
[...] Faz três meses que não chove. Mas eu tenho sorte, moro às margens do rio. Embora nem toda a água do rio seja capaz de irrigar essa vida. Eu nunca entrei nesse rio, eu não sei nadar. Eu não gosto dele, eu não gosto de nada daqui. Eu não sou daqui, sou de Salvador. Saí da capital para morar nessa cidadezinha com a promessa de meu pai que só ficaríamos por cinco anos (isso já faz dez). Eu também era uma promessa, agora sou apenas uma flor estranha em meio aos cactos. Eu não me sento nas calçadas para falar da vida alheia, eu não vou à igreja, eu não freqüento os bares infectos com a juventude alienada. Eu sou muito melhor que eles. Sou muito melhor do que tudo aqui. Eu não preciso deles, eu tenho meus livros. Meus livros, o único sinal de que há uma vida fértil em algum lugar do mundo. Eu gosto de sentar embaixo da Algaroba com eles e fingir que estou longe daqui. Só eu, os livros e a algaroba. A árvore estrangeira como eu. A árvore que chora que chora com saudades da sua terra. Parece que eu sou a única que lê por aqui. Acho que esse é o motivo do meu exílio, é por isso que meus colegas me rejeitam, meus vizinhos fazem careta quando passo. Mas eu não me importo, eles são rasos demais para me entender. Ontem, quando voltava do colégio, um colega jogou uma pedra em mim. Ficou uma marquinha funda bem em cima da minha sobrancelha. Idiota, são todos uns idiotas. Mas eu não me importo. Hoje eu decidi afogar meus livros. Fiquei lá, na beira do rio, vendo os livros afundarem. Criancinhas nojentas pegaram os restos dos livros e fizeram ridículos barquinhos de papel. O barquinho do Balzac foi o último a afundar.


Bia, 23 de março de 2007.




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